O Globo, n. 32029, 16/04/2021, Mundo, p. 25

 

Congresso do PC marca o fim da era Castro

Marina Gonçalves

16/04/2021

 

 

Três anos depois de sua saída da Presidência, está previsto que Raúl Castro, de 89 anos, entregue o cargo de primeiro secretário do Partido Comunista de Cuba (PCC) ao presidente, Miguel Díaz-Canel, de 60 anos, durante o 8º Congresso do partido único na ilha, que acontece de hoje até domingo. Do ponto de vista político, mesmo que tenha um significado mais simbólico que prático, a saída de Raúl do comando do PCC representa um ritual de transição, avaliam analistas, após 62 anos de domínio dos Castro. Na economia, no entanto, espera-se que a mudança ajude a acelerar algumas das reformas que vêm sendo postas em prática.

TRANSIÇÃO GERACIONAL

As mudanças foram anunciadas no congresso anterior, em 2016, quando se deu início ao processo de alteração constitucional para modificar o modelo puramente estatizado da economia cubana. À época, Raúl prometeu mudanças “sem pausas, mas sem pressa”. Mas as sanções impostas no governo de Donald Trump e depois a pandemia do coronavírus — que reduziu drasticamente o turismo, motor econômico do país, e aumentou a escassez de alimentos —acentuaram a urgência das reformas: o país vive sua pior crise econômica em 30 anos, com queda de 11% do PIB em 2020.

—A saída de Raúl representa uma mudança formal na estrutura do partido, mas uma transição geracional verdadeira é essencial para assegurara sobrevivência da revolução. Para isso, é preciso que gente mais jovem possa ter acesso a cargos e postos mais visíveis dentro do partido —avalia Jorge Duany, diretor do Instituto de Pesquisas Cubanas da Universidade da Flórida.

Do ponto de vista econômico, as expectativas são mais otimistas. Não por desejo estritamente do partido, mas pela pressão da sociedade, avalia o especialista. Para efeito de comparação, a esperada unificação do sistema de moedas, que passou a valer a partir de janeiro de 2021, foi anunciada sete anos antes, em 2013.

— Raúl era o mestre das mudanças lentas, e Díaz-Canel parece ter herdado essa mesma inclinação para assegurar a estabilidade do regime. Desse ponto de vista, não vejo uma reforma interna ou o desenvolvimento de políticas novas em curto prazo. Por outro lado, a situação econômica tão crítica e a pressão da sociedade podem acelerar algumas mudanças.

Em 2018, dois anos após o congresso anterior, o PCC propôs as anunciadas alterações à Constituição, que vigorava desde 1976, incluindo o reconhecimento da propriedade privada. Mais de dois anos depois, em fevereiro deste ano, Diaz-Canel aumentou para 2 mil a lista de 127 funções que os cubanos podiam exercer de forma autônoma, que até então eram controladas pelo Estado. Na semana passada, Díaz-Canel disse, em uma reunião sobre o setor agrícola, que “tudo o que estimula a produção, remove obstáculos e beneficia o produtor é favorável”.

Na terça-feira, Cuba anunciou que irá suspender uma proibição de décadas ao abate de gado e à venda de carne e laticínios como parte de suas reformas agrícolas. Com a mudança, produtores rurais poderão fazer o que quiserem com seus bois e vacas depois de cumpriras cotas do Estado.

A ativista cubana Marlene Azor, socióloga e ex-professora da Universidade de Havana, no entanto, não acredita em uma reforma econômica estrutural. Para ela, todas as medidas que aconteceram até agora foram cosméticas e pontuais.

—Foram remendos, pequenos passos para acabar com algumas das aberrações econômicas e monetárias mais evidentes. As mudanças econômicas, por exemplo, não serviram para aumentar a produção do país, os salários ou melhorar as relações entre os atores econômicos — afirma ao GLOBO.

—Aumentaram a lista de funções possíveis, mas os empreendimentos privados seguem sem poder importar ou exportar, não podem crescer e nem pedir crédito ao Estado. Não há produção de bens e serviços. A própria unificação monetária serviu para dolarizar a economia e levou a uma escassez de alimentos maior, que foi aprofundada pela pandemia e a consequente redução de receitas com o turismo.

REDES SOCIAIS

Os analistas também esperam que temas relacionados a direitos humanos e liberdade de imprensa continuem fora de discussão. Achegada da internet móvel ao país, no final de 2018, abriu espaço para que jovens pudessem denunciar casos de repressão e até organizar manifestações de rua, algo inédito em Cuba. Amais emblemática, organizada pelo Movimento San Isidro, levou a um protesto pacífico sem precedentes, que em novembro passado reuniu cerca de 300 artistas em frente ao Ministério da Cultura cubano, exigindo liberdade de expressão.

Para tentar conter essa onda, o congresso propõe, como parte de sua programação, que o partido seja mais eficaz contra a “subversão político ideológica” nas redes sociais.

— A internet tem sido um facilitador para o crescimento da sociedade civil —disse à AFP o sociólogo americano Ted Henken. — Ela abriu brechas muito importantes no monopólio do governo.

Questões como o desenvolvimento de uma vacina contra a Covid-19, a primeira latinoamericana, e a aproximação com os EUA, com os quais Díaz-Canel tem procurado uma “relação pragmática” após a eleição de Joe Biden — que ainda não reverteu as sanções de Trump — também devem ser abordadas.