O Globo, n. 32029, 16/04/2021, Mundo, p. 24

 

Entrevista - Ricardo Salles: “os outros é que precisam aumentar as suas ambições”

Ricardo Salles

Eliane Oliveira

Thiago Bronzatto

16/04/2021

 

 

 

Nas duas últimas semanas, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem feito uma série de encontros com autoridades de diferentes países para retocara imagem do Brasil, tisnada pelo impacto do desmatamento da Floresta Amazônica no aquecimento global. Essa investi datem como estratégia vencer resistências internacionais em relação à política ambiental do governo federal e preparar o terreno para o discurso do presidente Jair Bolsonaro nos próximos dias 22 e 23, na reunião virtual da Cúpula de Líderes sobre o Clima, convocada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.

Nessas conversas, o ministro do Meio Ambiente tem reconhecido que o Brasil avançou pouco no combate à devastação da Floresta Amazônia e tem defendido que o país precisa de ajuda financeira, sobretudo das nações desenvolvidas, par afaz ermais do que prometeu para debelar o desmatamento. Para reforçar esse discurso, Bolsonaro preparou uma carta para Biden na qual reafirma o compromisso do Brasil, feito em 2015 no âmbito do Acordo de Paris, de eliminar o desmatamento ilegal até 2030. Essa meta, segundo o presidente, só poderá ser alcançada com o investimento de “recursos vultosos” e com o apoio do governo americano.

Na entrevista, Salles afirma que o Brasil deveria ter recebido US $133 bilhões por ter reduzido as emissões de carbono em 7,8 bilhões de toneladas entre 2006 e 2017, nos governos anteriores ao atual. Ele faz o cálculo baseado no preço do mercado de carbono da Califórnia, onde atonelada vale US$ 16. No entanto, na esfera do Acordo de Paris o mercado de carbono, previsto no Artigo 6 º,nãof oi regulamentado ainda. Oque, sim,fo ié o mercado voluntário, previsto no Artigo 5º, pelo qual o Brasil recebeu US $1 bilhão no Fundo Amazônia, formado por contribuições da Alemanha e da Noruega—eque está parado por divergências entre o governo Bolsonaro e doadores.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

O presidente Bolsonaro escreveu uma carta ao presidente Biden reafirmando o compromisso de eliminar o desmatamento ilegal até 2030. Qual a importância desse gesto?

A carta ressalta que as mudanças climáticas são causadas sobretudo pelos países ricos. Mesmo assim, o Brasil não se furtará a contribuir para resolver o problema. Também gostaríamos que os países ricos participassem da solução da falta de desenvolvimento sustentável da Amazônia, como principal causa do desmatamento ilegal.

Qual a importância da cúpula sobre o clima, convocada por Joe Biden, para o Brasil?

Os EUA voltaram ao Acordo de Paris com a firme decisão de fazer algo concreto em prol do combate às mudanças climáticas. Em qualquer coisa que se faça nesse sentido, o Brasil é parte obrigatória.

O senhor sempre reclama que não há apoio financeiro para o Brasil reduzir o desmatamento. Mas o que o governo faria com esse dinheiro?

De 2006 a 2017, o Brasil reduziu 7,8 bilhões de toneladas de emissões. Quanto vale messas 7,8 bilhões de toneladas, sob o ponto de vista mercadológico? Se você estivesse negociando isso na Califórnia, valeria US$ 133 bilhões. Quanto que o Brasil recebeu até hoje? Um bilhão e um pouquinho. Quando o pessoal fala: “Ah, mas o Brasil tem de mostrar resultados primeiro”, nós já temos o resultado. Resultados que não foram honrados a título de pagamento. Temos credibilidade para pedir dinheiro lá na frente. Estamos pedindo US$ 1 bilhão. A proposta é que um terço dos recursos vá para o Comando e Controle, por meio da mobilização de dez Batalhões de Força Nacional, que, juntos com o Ibama, ICMBio e Polícia Federal, fariam a cobertura das dez maiores regiões da Amazônia.

Para onde iriam os outros dois terços do dinheiro?

Quando você não cuida das pessoas, quando você não dá incentivo econômico para que saiam daquele círculo vicioso de atividades ilegais na floresta, acabam sendo cooptadas de novo para a atividade criminosa. Você vai ao local, faz a operação de comando e controle, faz o cumprimento da lei, reforça, sai de lá, e a pessoa volta para a criminalidade. Para o curto prazo, a solução, para fazer junto com o comando e controle ao mesmo tempo, é colocar dinheiro na região. O morador da Amazônia, por ausência de alternativas, vai trabal harpara quem oferece emprego, seja cort armadeira, garimpar, oque for. Essa pessoa, quando for fiscalizada nesse modelo que estamos idealizando, vai trabalhar no parque, na unidade de conservação, vai ser brigadista, vai combater incêndio.

Há uma pressão internacional muito grande sobre o governo Bolsonaro para que o Brasil apresente metas mais ambiciosas na cúpula sobre o clima na semana que vem e na COP 26. Como avançar mais?

O Brasil é responsável por 3% das emissões globais. Os países ricos representam 66%. Estamos esperando até hoje o fluxo dos recursos, os US$ 100 bilhões anuais, que foram prometidos [em financiamento climático pelos países ricos, para todos os países vulneráveis] na assinatura do Acordo de Paris. Os outros é que precisam aumentar suas ambições. Somos um dos países que têm crédito e continuamos esperando. Não podemos assumir uma culpa que não é nossa.

O embaixador dos EUA no Brasil, Todd Chapman, disse que, se não houver algum gesto do Brasil na área ambiental, seu país deixará de apoiar a candidatura brasileira na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

Tão logo foi confirmado o pre si denteBidenp elo Congresso, o governo como um todo retomou ou iniciou todas as conversas que tinham de ser feitas, incluindo eu, com o emissário americano para o clima, John Kerry. Agora, é da natureza do processo de negociação que os pontos diferentes sejam apresentados e se procure um lugar comum.

Os governadores da Amazônia se queixam que o governo faz tudo sem consultá-los...

Não é verdade. Primeiro, os governadores têm tido reuniões rotineiras com o Conselho da Amazônia. Segundo, a responsabilidade do Brasil para coma opinião pública internacional recai sobre o governo federal. É natural que o governo federal fiqueàfrented essas iniciativas para negociar. Alguns estados têm tido muita responsabilidade nesse problema. Por outro lado, a presença das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem foi necessária, porque há estados que não puseram as suas polícias militares para atuar, seja no apoio ao próprio Ibama e ICMBio, ou na repressão de crimes da sua competência.

O senhor se refere a quais estados?

O Pará, por exemplo, tem o maior índice de desmatamento do Brasil e tira a sua polícia militar das operações de combate ao desmatamento e deixa o assunto todo nas costas do governo federal. E depois quer decidir como é que resolve a questão internacional? É uma incompatibilidade.

Mesmo com todo esse esforço, o desmatamento continuou subindo nos últimos dois anos. Como explica isso?

Desenhamos no Plano Nacional para Combate do Desmatamento Ilegal na Amazônia com cinco pilares. Um deles é comando e controle, mas há outros quatro que são igualmente importantes e que precisam ganhar tração. Foi feita a regularização fundiária? Não. Aconteceu alguma revolução econômica a ponto de gerar bioeconomia na Amazônia? Não. O zoneamento econômico ecológico dos estados da Amazônia, para ordenar a ocupação territorial sobre vários aspectos, como infraestrutura, recursos naturais e crescimento populacional, foi feito? Não. O único item da pauta que saiu do papel foi o Pagamento por Serviços Ambientais, que é do Ministério do Meio Ambiente. Os demais assuntos são de outros ministérios. Por isso, foi criado o Conselho da Amazônia, para centralizar essas diferentes pautas, que eram de outros ministérios e que sem uma centralização não andariam.

Por que o Fundo da Amazônia está parado?

O Ministério propôs uma alteração, via decreto, e os doadores, a Noruega e a Alemanha, não concordaram com a mudança da governança e solicitaram que interrompesse a fruição dos recursos.