O Globo, n. 32029, 16/04/2021, Economia, p. 22

 

Congresso americano aperta o cerco contra gigantes da tecnologia 

Vitor da Costa

16/04/2021

 

 

O Congresso americano deu ontem mais um passo no cerco às gigantes globais de tecnologia. O Comitê de Justiça da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos aprovou formalmente um relatório que acusa as big techs de comprarem ou aniquilarem empresas de menor porte, disse o deputado David Cicilline.

Com a aprovação, as mais de 400 páginas do relatório passam a ser o documento oficial do comitê, chancelando um novo projeto de lei para controlar o poder de mercado de companhias como o Google, da Alphabet, a Amazon, a Apple e o Facebook. O relatório foi aprovado por 24 votos a 17. As empresas negam cometer qualquer irregularidade.

O primeiro levantamento feito pelo Congresso sobre as divulgado em outubro, propunha grandes mudanças na legislação antitruste e trazia exemplos de como as empresas abusavam de seu poder de mercado.

“Amazon, Apple, Google e Facebook têm poder de monopólio significativo em seus setores em nossa economia. Essa condição de monopólio tem de acabar”, afirmou Cicilline em nota. Com o relatório aprovado, o deputado disse estar” ansioso para criar a nova legislação que irá resolver os grandes problemas que trouxemos à luz”.

MUDANÇAS AGRESSIVAS

O tema une democratas e republicanos no Congresso dos EUA. Um grupo bipartidário de parlamentares, liderados por Cicilline e pela senadora Amy Klobuchar, apresentou em março um projeto de lei para facilitar a negociação coletiva entre empresas de comunicação e plataformas como Google e Facebook sobre a remuneração de produtores pelo conteúdo que é divulgado nas plataformas.

O relatório aprovado na Câmara traz uma lista de mudanças em potencial da atual legislação antitruste.

As sugestões vão de mudanças agressivas, como barrar empresas como a Amazon de operarem marketplaces nos quais concorrem com outras, até menos controversas, como ampliar o orçamento de agências reguladoras.

O documento pede ainda que o Congresso permita o uso de instrumentos legais para impedir que companhias comprem empresas rivais em potencial, algo que é difícil de ser feito atualmente. Um exemplo citado foi a aquisição do Instagram pelo Facebook, que, dessa forma, absorveu uma rede social concorrente.

O pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da FGV Leonardo Neves lembra que as aquisições são comuns no setor:

— Poucas pessoas teriam tanto interesse de participar do Facebook se houvesse outras redes sociais do tipo. Não acredito que haja grandes impactos a curto prazo. Mas, a médio prazo, vão surgir outras companhias com ideias inovadoras que não vão ser compradas e podem tentar rivalizar com as grandes.

IMPACTO EM OUTROS PAÍSES

O relatório propõe ainda que as pessoas tenham maior controle sobre seus dados, por meio da portabilidade e interoperabilidade entre plataformas.

O professor do Instituto de Economia da UFRJ , Luiz

Carlos Prado, destaca a questão do uso de dados:

—O poder político e financeiro dessas empresas é tão grande que os Estados precisam impor limites, tanto no que se refere à questão concorrencial quanto em outras atividades.

O coordenador da área de direito e tecnologia do ITS, Christian Perrone, concorda:

—Começamos a entender como essas empresas tem uma importância desproporcional dentro do cenário global. Ainda temos um espaço para buscar meios para avaliar o desafio que não só as big techs, mas as novas tecnologias, impõem.

Para os analistas, uma nova legislação nos EUA pode ter impacto em outras partes do mundo.

—Ela pode ser readaptada por outros países, em seus determinados contextos — diz Neves.

Com relação ao Brasil, Perrone diz que o país ainda é mero espectador do debate:

— Estamos um pouco à margem dessa discussão. Sofremos mais os impactos, pois somos mais um consumidor de tecnologia do que um produtor. Como um país do Sul global, temos que olhar como as regulações dessas empresas podem afetar o país, quais serão os impactos para acessos a serviços tecnológicos.