O Globo, n. 32029, 16/04/2021, País, p. 10

 

MPF detalha ‘quebra-cabeça’ sobre erros do governo no Amazonas

Paula Ferreira

Leandro Prazeres

16/04/2021

 

 

Após três meses de investigações, o Ministério Público Federal (MPF) abriu, na quarta-feira, um processo contra o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e outras cinco pessoas por omissão no colapso do sistema de Saúde do Amazonas. O GLOBO teve acesso a parte dos milhares de documentos coletados e produzidos pelo MPF e encontrou aqueles que, segundo os procuradores, remontam o “quebra-cabeças” que mostraria como o governo federal foi omisso e lento ao responder à tragédia no Amazonas.

Transferência de pacientes

1 12/01/21: Transferência é iminente

Representantes do Ministério da Saúde e do governo do Amazonas se reúnem em Manaus e falam sobre a necessidade de transferir pacientes devido ao esgotamento da capacidade hospitalar no estado.

Ata da reunião

Apesar desse cenário, a reunião é encerrada com a deliberação de que a transferência de pacientes só seria feita “em situação extremamente crítica”.

Ata da reunião 2 14/01/21: Ministério demora a transferir pacientes • Somente dois dias depois de a pasta já ter tratado da necessidade de transferência de pacientes e quase 20 dias depois de ter sido informado da situação crítica no Amazonas, o Ministério da Saúde começa a procurar possibilidades para a acomodação de pacientes.

Na madrugada de 14 de janeiro, a pasta fez contato com a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), que gerencia hospitais federais, para saber sobre a disponibilidade de leitos.

Primeiro ofício requerendo informações oficiais sobre a quantidade de leitos foi assinado às 16h46m do dia 14 de janeiro. No dia seguinte, o Ministério da Saúde anunciou o início da transferência de pacientes.

Disseminação de tratamentos ineficazes

Documento do Ministério da Saúde

1 7/01/21: 'Tratamento precoce em Manaus'

Segundo informação da secretaria municipal de Saúde de Manaus, no dia 7 de janeiro o Ministério da Saúde pediu autorização para visitar Unidades Básicas de Saúde para “difundir a adoção do tratamento precoce”. Embora a secretaria afirme que não houve resposta ao pedido, entre 11 e 12 de janeiro, às vésperas do colapso de oxigênio no Amazonas, equipes da pasta visitaram 13 unidades de saúde para incentivar a prática.

Ainda que Pazuello tenha afirmado em coletivas que nunca recomendou medicamentos específicos para Covid-19 e tampouco autorizou o órgão a fazê-lo, em maio de 2020, logo após ele assumir a pasta, uma nota do ministério informava que entre os medicamentos orientados para o tratamento precoce de pacientes com a doença estavam a cloroquina e a hidroxicloroquina, além do antibiótico azitromicina.

Ofício da Secretaria de Saúde de Manaus

2 14/01/21: Pasta manda cloroquina para o Amazonas • No dia do colapso de oxigênio no estado, um documento do Ministério da Saúde mostra que a pasta enviou 120 mil comprimidos de hidroxicloroquina para o estado. Ao longo da ação, o MPF cita reiteradamente a pressão das autoridades pela utilização desse tipo de medicamento.

Lentidão na resposta

1 28/12/2020: Casos crescem, mas viagem fica para depois 

Ministério da Saúde faz reunião com integrantes do governo do Amazonas e é informado da situação crítica em Manaus. Pasta decide enviar comitiva de “avaliação” apenas no dia 3 de janeiro. A justificativa era a troca de gestores municipais.

2 4/01/2021: Colapso iminente

Ministério se reúne com o governador, Wilson Lima, o prefeito de Manaus, Davi Almeida, e com secretários de Saúde de Manaus e do Amazonas. Na reunião, pasta é informada de que a previsão de colapso seria em dez dias, da falta de leitos, da dificuldade de aquisição de insumos e contratação de pessoal e a estimativa era de um aumento substancial na pressão sobre o sistema de saúde entre os dias 11 e 15 de janeiro.

Falta de oxigênio

1 7/01/21: Aviso a Pazuello

Ofício da Secretaria de Saúde do Amazonas indica que, no dia 7 de janeiro, o órgão fez contato com o então ministro Eduardo Pazuello, por telefone, para avisar que a fabricante de oxigênio hospitalar, White Martins, havia relatado dificuldades em atender à demanda crescente pelo produto. Segue imagem do trecho do ofício:

Ofício da Secretaria de Saúde do Amazonas 2 14/01/21: Ministério, enfim, procura fornecedores Apesar de ter sido informado do problema no dia 7 de janeiro, procuradores constataram que o Ministério da Saúde só procurou outros fornecedores do produto após o colapso registrado no dia 14 de janeiro