O Globo, n. 32029, 16/04/2021, País, p. 6

 

PF troca delegado que pediu investigação de Salles

Aguirre Talento

16/04/2021

 

 

O diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Maiurino, substituiu o superintendente do Amazonas, o delegado Alexandre Saraiva, que enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um pedido de investigação contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. A PF sustenta que o delegado foi comunicado na tarde de anteontem que seria removido do cargo —antes do envio da acusação à Corte —, mas Saraiva disse não ter sido informado antes sobre sua substituição.

Apesar de ter um bom trânsito com o presidente Jair Bolsonaro, que já tentou indicar Saraiva para comandar a Superintendência da PF no Rio de Janeiro, o delegado entrou em conflito com o ministro do Meio Ambiente nos últimos dias após contestação da pasta sobre operação feita para combater o desmatamento ilegal na Amazônia.

No ofício enviado ao STF, Saraiva aponta que Salles atuo upara obstruir uma investigação que apreendeu madeira ilegal. Emen trevis taàGloboNews,o delegado reiterou as críticas ao ministro.

—Nãoét odo dia que o superintendente faz isso( levara notícia crime ao STF ), mas também não é todo dia que um ministro promove a defesa de infratores ambientais —disse Saraiva.

O delegado também minimizou o fato de ser retirado do cargo. Saraiva disse que não fez “concurso para ser superintendente ”, e sim para ser delegado, eque ele continuará com autonomia para presidir as investigações, ainda que tenha perdido o cargo de chefia.

O ex-superintendente também criticou a atuação do Ibama na questão do desmatamento da Amazônia. Segundo Saraiva, a Polícia Federal sempre teve com o órgão uma relação de parceria, mas isso não vem ocorrendo mais.

— Sempre tivemos uma relação de parceria, de complementação. Nunca, por exemplo, o Ibama se posicionou em pedir uma análise dos laudos periciais — afirmou, na mesma entrevista.

Ele disse nunca ter recebido qualquer comunicação do Palácio do Planalto sobre críticas às investigações, centrando os ataques apenas em Salles.

A peça enviada ao STF foi uma notícia-crime para investigar o ministro por três delitos: dificultar a ação fiscalizadora do poder público no meio ambiente, exercer advocacia administrativa e integrar organização criminosa.

O delegado acusa mais duas pessoas, além de Salles: o presidente do Ibama, Eduardo Bim, e o senador Telmário Mota (PROS-RR). Segundo Saraiva, os três praticaram atos no âmbito da Operação Handroanthus que podem constituir crime. Nessa operação, a PF no Amazonas realizou uma apreensão recorde de aproximadamente 200 mil metros cúbicos de madeira extraídos ilegalmente.

“Em razão da magnitude dos resultados, apreensão de madeiras com valor estimado em R$ 129.176.101,60, o setor madeireiro iniciou a formação de parcerias com integrantes do Poder Executivo, podendo-se citar o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles e o parlamentar Telmário Mota (PROS), no intento de causar obstáculos à investigação de crimes ambientais e de buscar patrocínio de interesses privados e ilegítimos perante a Administração Pública”, diz trecho.

Ao GLOBO, Salles criticou a ação do delegado e disse que responderá no processo:

— A acusação é absurda, sem fundamento. Vou responder na forma da lei.

Em nota, Telmário Mota acusou Saraiva de “buscar holofotes” com a notícia-crime, dizendo que ela é “sem fundamento e elaborada apenas para ganhar espaço na mídia e nas redes sociais” e nega ter praticado as condutas.

Quem deve substituir Saraiva no Amazonas é o delegado Leandro Almada, que já atua na região. Anteriormente, ele cuidou do inquérito sobre a obstrução da investigação do homicídio da vereadora Marielle Franco e confirmou que houve uma trama para dificultar essa investigação.

TROCAS DE CARGOS

A destituição de Saraiva desencadeou uma revolta nos grupos de WhatsApp de policiais federais, conforme revelou a colunista Malu Gaspar. Indignados, eles propõem inclusive que a Associação de Delegados da Polícia Federal (ADPF) conceda uma medalha de honra ao delegado.

Ontem, O GLOBO revelou que a nova direção da PF substituiu o delegado Felipe Leal, chefe do setor de inquéritos contra políticos, após ele ter feito um ofício no qual apontou ilegalidades em um inquérito aberto pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para investigar procuradores da LavaJato com base nos diálogos obtidos por um hacker.