Correio Braziliense, n. 21.142, 13/04/2021. Opinião, p. 21

 

Clauber Paiva Reges: Covid-19: quando a vida passa pelas nossas mãos

Clauber Paiva Reges 

13/04/2021

 

 

Mais um dia normal de plantão, um simples dia de trabalho. Cansado das horas de trabalho anteriores, porém disposto para mais 12 horas de plantão. Escalado na Ala 3. A ala que é o terror para todos. A Ala Covid. Tenho percebido que o terror não é pela quantidade de trabalho, que chega a ser estafante, que esgota as forças físicas e cansa as pernas. Mas pelo sentimento de derrota, impotência, por ver que as vidas estão se perdendo, escapando entre os nossos dedos e não podemos fazer além do que já nos propomos.

Esse plantão específico será difícil de esquecer. Recebemos o plantão com um paciente que acabara de ser intubado no leito 03.01. Todos falavam que o paciente relutou muito e nem queria realizar o procedimento de intubação. Paciente começa a desestabilizar, evolui para parada cardíaca respiratória (PCR), reanimamos por aproximadamente 30 minutos. Entre um ciclo e outro, escuto uma colega falar: "Força, cara, você tem quatro filhos pra criar". Essas palavras faziam um silêncio profundo por dentro. E o paciente voltou. Daí por diante, boa parte da equipe ficou o tempo todo em cima desse paciente. Paciente jovem, de 29 anos, bem forte.

Muitas medidas, drogas, soluções... Todos os recursos que ali estavam ao alcance da equipe foram usados. Porém tudo insuficiente. Por volta de 1 hora da manhã, o paciente apresentou nova PCR. Essa seria mais longa. Entre ciclos de reanimação e medicações, escuta-se novamente uma colega dizer: "Você não pode morrer, tem quatro filhos pra criar". Aproximadamente uma hora de reanimação, e não obtivemos sucesso. É óbvio que, com equipe reduzida e esse tempo de reanimação, estavam todos exaustos. Por fim, quando nos demos por vencido, constatou-se o óbito às 2h06. Uma das médicas se aproxima do rosto do paciente, fecha seus olhos e com os olhos cheios de água faz uma última oração, uma bênção. Aproximadamente cinco horas em cima desse paciente e falhamos. Sentimento de tristeza, derrota. O desfecho nos silencia.

Algumas pessoas me perguntam onde os profissionais da linha de frente conseguem forças para cabotinismo. Sinceramente, não sei ao certo a resposta. Mas acredito que a nossa força venha de Deus. Mesmo nos momentos em que nos encontramos desolados, Ele parece que está tão perto, que chega a nos carregar no colo.

Nossa força vem da força dos colegas que se solidarizam conosco e sempre têm uma mão estendida para ajudar. Nossa força vem do rosto de esperança da equipe que, apesar do cansaço, não recua. Acredita que vencerá. Nossa força vem do pedido de socorro do paciente, que não consegue fazer mais o simples e depende dos nossos braços e pernas. Nossa força vem das orações dos nossos familiares: filhos, pais, esposas, maridos...

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» Clauber Paiva Reges

Técnico de enfermagem. Trabalha no Hospital Regional da Asa Norte