O Globo, n. 32028, 15/04/2021, Sociedade, p. 12

 

Ônus do fracasso

Rafael Garcia

15/04/2021

 

 

O fracasso brasileiro no combate à pandemia se deveu em parte a falhas de gestores públicos em diferentes lugares, mas o peso do governo federal é maior na equação. A conclusão é de um estudo assinado por dez cientistas do Brasil e dos EUA, liderados pela demógrafa Márcia Castro, da Universidade Harvard, e publicado na revista Science, vitrine da ciência mundial.

O trabalho, que mapeou com detalhe inédito a epidemia no Brasil entre fevereiro e outubro de 2020, sai na mesma semana em que o Senado prepara CPI para investigar equívocos do governo federal na resposta à epidemia. Alavancada por outros estudos realizados antes, a nova pesquisa mostra que a qualidade da resposta à pandemia variou muito em diferentes lugares do país. Isso seria sinal de problemas de “omissão” e “erro” do governo federal, porque o Ministério da Saúde é o grande responsável por atenuar as desigualdades nas políticas de saúde.

O trabalho, que mapeou com detalhe inédito a epidemia no Brasil entre fevereiro e outubro de 2020, sai na mesma semana em que o Senado prepara CPI para investigar equívocos do governo federal na resposta à epidemia. Alavancada por outros estudos realizados antes, a nova pesquisa mostra que a qualidade da resposta à pandemia variou muito em diferentes lugares do país. Isso seria sinal de problemas de “omissão” e “erro” do governo federal, porque o Ministério da Saúde é o grande responsável por atenuar as desigualdades nas políticas de saúde.

“Apesar de nenhuma narrativa única explicar a diversidade da dispersão do vírus no Brasil, uma falha geral em operar resposta ágil, coordenada e equânime no contexto de desigualdades locais marcantes alimentou a disseminação da doença”, escrevem os pesquisadores.

RECEITA DO DESASTRE

O grupo lista cinco ingredientes na receita do fracasso, sendo o primeiro a própria desigualdade instalada no país.

O segundo problema foi a falta de controle de transporte entre municípios e estados. O terceiro foi o fator político em si, porque cidades e estados governados por aliados de Bolsonaro tomaram menos ações, e a polarização ideológica prejudicou a adesão a medidas.

O quarto el emen toé a falha detesta geme acompanhamento da epidemia, com várias cidades tendo começado a registrar alta nas mortes por Covid-19 antes da alta de casos.

—Isso tema ver com questões de notificação e de falha na vigilância, porque não faz sentido. Os casos precisam aparecer antes das mortes — diz Castro, lembrando que se estima que o vírus tenha circulado por mais de um mês no país antes de ser detectado, em fevereiro de 2020.

O quinto ingrediente foi a falta de sincronia em medidas de distanciamento. Sem uma política nacional, o vírus podia sempre achar um refúgio onde pudesse crescer, explicam os cientistas.

MUNIÇÃO PARA CPI

Questionada sobre o possível uso de seu estudo como instrumento na CPI, Márcia Castro diz que as conclusões tiradas ali não foram produzidas com finalidade jurídica, e que este não foi o único artigo científico a apontar as origens dos problemas na resposta à Covid-19.

— O que estamos mostrando são associações e correlações, mas nenhum desses trabalhos aponta uma causalidade definitiva — diz a cientista. — Mesmo não sendo causalidade, esses trabalhos se unem num quebra-cabeça, bem complicado, em que todos convergem para a mesma coisa.

Um trabalho da sanitarista Deisy Ventura, da USP, por exemplo, compilou atos administrativos do governo federal e declarações de Bolsonaro sobre Covid-19 para avaliar sua atuação. Para Castro, há também indícios de subutilização da estrutura de saúde do país.

— O que estamos mostrando são associações e correlações, mas nenhum desses trabalhos aponta uma causalidade definitiva — diz a cientista. — Mesmo não sendo causalidade, esses trabalhos se unem num quebra-cabeça, bem complicado, em que todos convergem para a mesma coisa.

Um trabalho da sanitarista Deisy Ventura, da USP, por exemplo, compilou atos administrativos do governo federal e declarações de Bolsonaro sobre Covid-19 para avaliar sua atuação. Para Castro, há também indícios de subutilização da estrutura de saúde do país.

—Não há como negar que a rede do SUS não esteja sendo usada e que a estratégia de saúde da família não foi envolvida. Agentes estão até hoje sem treinamento e sem equipamento — diz. — Essas coisas não são subjetivas. É ciência. Os números estão aqui e não dá para negar.

APELO

O estudo da Science termina em apelo, dada a demora do país em vacinar e ao advento de cepas mais contagiosas do vírus, como a P.1.

“Sem contenção imediata, medidas coordenadas de vigilância epidemiológica e genômica, e esforço para vacinar o máximo de pessoas o mais rápido possível, a propagação da P.1 deverá emular um padrão levando a uma perda de vidas inimaginável”, escrevem.

Ontem, um outro grupo de médicos cientistas, articulado pelo epidemiologista gaúcho Pedro Hallal, lançou um manifesto com mil assinaturas e vídeo pedindo auxílio internacional para o Brasil adquirir mais vacinas.