O Globo, n. 32028, 15/04/2021, País, p. 8

 

Após decisão de Rosa, senador quer lei pró-arma

Aline Ribeiro

15/04/2021

 

 

Defensores da pauta armamentista devem apresentar projetos de lei para reativar pontos dos decretos do presidente Jair Bolsonaro que foram derrubados na segunda-feira pela ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber. Segundo o senador Marcos do Val (Podemos-ES), a estratégia está prevista para começar após a pandemia. O parlamentar deve apresentar hoje um relatório sobre 14 projetos de decretos legislativos que tentavam sustar as medidas de Bolsonaro. Ele afirmou que, em seu texto, pretende rejeitar os pedidos dos senadores e acatar as restrições impostas por Rosa Weber.

— Vou seguir o que o STF decidiu. O que vamos fazer no futuro é criar projetos de lei dentro de alguns pontos que achamos necessários manter. Mas agora não é o momento, por causa da pandemia —disse do Val.

Organizações sociais ligadas à segurança pública e aos direitos humanos avaliam que a decisão de Rosa Weber traz avanços para a discussão do acesso a armas no Brasil, mas fazem ressalvas. Para Michele Ramos, assessora especial do Instituto Igarapé, a liminar foi um passo fundamental para barrar o desmantelamento da política de controle de armas e munições no país. Por outro lado, diz ela, itens dos decretos que entraram em vigor representam “retrocesso” para o controle de arsenais.

A analista cita, como exemplo, o aviso, com 24 horas de antecedência, para fiscalizações de acervo. Para o instituto, isso compromete a capacidade de identificação de inconformidades de armas e munições. A possibilidade de uso de armas pessoais por profissionais da segurança no desempenho de suas funções em serviço é outro ponto condenado por Michele. Ainda que prevista em casos excepcionais, a liberação dificulta a identificação das armas e munições utilizadas em ocorrências com confronto, segundo a assessora especial.

— É importante lembrar que esses decretos de fevereiro se somam a outros, já em vigor, também questionados no STF e no Congresso.

É urgente que o plenário do Supremo e o Congresso avancem, respectivamente, no julgamento das ações e na votação dos projetos de decreto legislativo que sustam a integralidade dos decretos presidenciais, que vão na contramão da nossa legislação e das evidências científicas sobre o tema — concluiu Michele.

PLENÁRIO VIRTUAL

Rosa Weber levou a discussão do caso para o plenário virtual do Supremo, modalidade em que os ministros têm até 20 dias para entregar seus votos, sem fazer debates ao vivo. O ministro do Supremo Kassio Nunes Marques vai pedir um destaque do julgamento para que a discussão se dê em sessão presencial, segundo informou a colunista Vera Magalhães. Ministros e técnicos do STF acreditam que Nunes Marques poderá pedir vista do voto de Rosa. Após a publicação do post, o gabinete do ministro informou ao blog da colunista que “não manifestou a intenção de pedir julgamento presencial”.

Antes que isso aconteça, porém, o Senado deve analisar o relatório de Marcos do Val. O senador, que se autoproclama “armamentista” e oriundo da área de segurança pública, defende a constitucionalidade dos decretos de Bolsonaro. Para adaptar sua análise ao que decidiu Rosa Weber e tentar a aprovação do relatório, porém, ele precisou mudar o texto:

— A primeira versão do meu relatório mostrava que os decretos eram constitucionais. Agora que a ministra foi no sentido dos méritos, com pesquisas que mostram que mais armas ocasionam mais mortes, vou ter de segui-la. Mesmo sendo armamentista, considero infeliz pautar esse assunto agora.

Um parecer do senador capixaba sobre o assunto já havia sido derrotado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado em junho de 2019. Na época, senadores também havia apresentado projetos para derrubar decretos de Bolsonaro para flexibilizar regras para o porte de armas. Do Val se posicionou contra as proposições dos colegas, e seu relatório foi rejeitado por 15 votos a nove.

Em fevereiro deste ano, Bolsonaro editou mais quatro decretos sobre o assunto. Entre as principais mudanças do texto estavam o aumento, de quatro para seis, do limite de armas de fogo de uso permitido que um cidadão pode comprar. O texto permitia, ainda, que alguns profissionais, como juízes e promotores, pudessem ter duas armas, além das seis que podem usar hoje.

TRECHOS BARRADOS

Os decretos ainda autorizavam adolescentes de 14 anos a praticar tiro — hoje é preciso ter 18 — e qualquer psicólogo, e não apenas aqueles registrados na Polícia Federal, a dar laudos para colecionadores.

Esses e outros nove pontos dos decretos foram suspensos pela ministra Rosa Weber, em decisão liminar, na segunda-feira. O texto presidencial entrou em vigor parcialmente anteontem. Um dos pontos mantidos é a permissão para atiradores portarem armas municiadas em qualquer trajeto.