O Globo, n. 32024, 11/04/2021, Economia, p. 31

 

Compras por voz, a próxima fronteira do ‘e-commerce’

André Machado

11/04/2021

 

 

RIO - Com a pandemia e as famílias em casa, o e-commerce só faz crescer no Brasil. Até 2024, ele deve responder por 57% das compras no Brasil, impulsionado pelo crescimento do uso de dispositivos móveis nas compras (o m-commerce), segundo estudo da provedora de soluções tech para pagamentos FIS.
Só nos smartphones, a previsão é de um aumento de 17% ao ano nos próximos três anos. Operadores de sites e aplicativos de vendas já vislumbram uma nova fronteira a ser explorada: a compra on-line por comando de voz, no chamado voice commerce.
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A consultoria britânica Juniper Research estima que o voice commerce movimentará US$ 80 bilhões em 2023. Com a esperada intensificação da chamada internet das coisas a partir da chegada do 5G, essa modalidade tem tudo para pegar no Brasil, dada a alta adesão às aplicações de voz no país.
Cada vez mais brasileiros fazem buscas por voz ou conversam com máquinas em casa. Segundo dados da consultoria Ilumeo, o uso de dispositivos com assistentes e comandos de voz aumentou 47% por aqui em 2020.
Outra pesquisa, da Kantar, revelou que 37% dos brasileiros usam algum tipo de assistente de voz pelo menos três vezes por semana. Em 2020, um dos produtos mais comprados no site da Amazon durante a Black Friday foi a quarta geração do smart speaker com assistente de voz Echo Dot Alexa, segundo a própria empresa.
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— Há mais de 150 milhões de smartphones no Brasil com assistentes de voz, especialmente o Google Assistente, já que o sistema Android o traz pré-instalado. Mas ele também pode ser usado via smart speakers ou até smarTVs — diz Conrado Caon, diretor de tecnologia da Adventures, grupo de comunicação e 
 que vem trabalhando em projetos de voice commerce de olho no novo mercado.
Compra do mercado via voz
A Adventures criou recentemente uma ação de voice commerce da Domino’s com a voz da funkeira Jojo Todynho. Durante 45 dias, a voz da cantora atendeu aos pedidos de pizza feitos por clientes via Google Assistente ou Alexa.
No Dia das Crianças do ano passado, a empresa criou uma campanha para a Disney que permitiu aos ouvintes tomar decisões por comandos de voz para explorar uma história com os dubladores de personagens. 
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O Supermercado Zona Sul acaba de integrar todo o seu site de compras e app com a Alexa, da Amazon, e o Google Assistant. Hoje, 15% das vendas da empresa são feitas pela internet.
Segundo o Zona Sul, a integração com os comandos de voz fez parte de um projeto  de reestruturação das plataformas digitais da rede. Segundo Paulo Ballestero, gestor digital do Zona Sul,  o projeto foi desenvolvido em parceria tecnológica com a Google, em conjunto com a empresa Hvar, e ainda permite, ao falar o nome do  produto, buscar todas as marcas e preços.
- Em dois meses, a plataforma passará por uma evolução, o que vai permitir que o assistente de voz funcione como uma lista de compras para o usuário, onde será possível incluir e excluir produtos de acordo com a demanda de cada cliente - disse Ballestero.
Outras empresas já embarcaram na onda, como a Natura, que firmou parceria com o Google Assistente para a venda de cosméticos por comandos de voz combinados com navegação on-line.
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Segundo Caon, mais de 40% das buscas na internet hoje, especialmente em celulares, são feitos por comandos de voz, evidenciando o potencial como canal de vendas.
— Os smart speakers, como o Echo, já chegaram a 50% dos lares americanos em quatro anos, metade do tempo que os smartphones levaram — diz o executivo.
Mas a expansão dessa modalidade de comércio eletrônico ainda depende do aperfeiçoamento dos assistentes virtuais, alerta Jeff Adams, um dos maiores especialistas em sistemas de voz do mundo.
Adaptações necessárias
Adams, que recentemente falou sobre o tema em palestra virtual na Casa Firjan, no Rio, chefiou na Amazon a equipe multidisciplinar de 60 pessoas que criou o Alexa, assistente virtual da Amazon, em três anos nos EUA.
Hoje, dirige a Cobalt Speech & Language, empresa especializada em criar soluções de voz para diferentes projetos corporativos.
— Os assistentes estão cada vez mais competentes, mas estão programados para usos específicos e tarefas, e ainda se perdem quando o usuário sai do esquema planejado — explicou Adams ao GLOBO. — É muito comum que as pessoas levem um tempo para aprender a se comunicar e a lidar com o Alexa, saber o que ele realmente pode fazer, que coisas se pode falar.
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Adams reconhece que esse mercado de voice commerce vem crescendo nos EUA, especialmente pela capacidade da infraestrutura por trás do Alexa para o uso em compras na própria Amazon.
— Mas o voice commerce não é apenas usar sua voz para comprar algo. Ele tem vários níveis, pois, quando as pessoas querem adquirir algum produto, elas sempre pensam antes em comparar preços com outros itens, ver críticas, e isso é difícil de fazer só com voz. Essa navegação vocal é um desafio.
Experiência multimídia
Por isso, ele considera que o melhor é ter uma experiência multimídia: utilizar comandos de voz para solicitar um item, e depois navegar na web no computador ou celular para ver imagens e comparar dados.
Um caminho para o voice commerce, aponta, é voltá-lo para compras simples. Transações mais complexas, como a escolha de um carro, precisam de elementos gráficos.
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— Você não vai querer que o assistente leia uma avaliação em voz alta em vez de examiná-lo você mesmo na tela — diz Adams. — O voice commerce é ideal para compras que você faz com regularidade e podem ficar salvas no site de e-commerce. Se quero comprar tinta para minha impressora, é só dizer isso e o servidor já detecta o modelo que adquiri antes, botando-o no carrinho virtual.
Para o especialista, ao longo da década a voz dos assistentes deve ficar mais fluida e empática:
— Uma interface ideal de voz tem ser bem natural, e permitir que as pessoas falem com ela como se estivessem conversando com outro ser humano. E ser capaz de responder naturalmente, também. — define. — Também tem de ser fácil corrigir um eventual erro, voltar a outro ponto no sistema sem sacrifício, o que hoje não é tão simples na programação de voz.
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Fascinado pelas questões da voz e fala, o executivo conta que, entre os projetos atuais da Cobalt está a combinação de óculos de realidade aumentada com aplicações de voz que podem ser usadas para interagir com sistemas complexos que precisam de manutenção, como motores e sistemas de aviões; aprender inglês com correções do assistente virtual para melhorar a pronúncia; e análise de voz e fala para ajudar na detecção de doenças como depressão.
Pode ainda ser usado por cirurgiões para controlar parte dos equipamentos durante operações complicadas. (Colaborou Bruno Rosa)