O Globo, n. 32023, 10/04/2021, Economia, p. 17

 

Inflação em 12 meses supera o teto da meta com alta de combustível

Carolina Nalin

Vitor da Costa

10/04/2021

 

 

RIO - A inflação acelerou em março e subiu 0,93% em relação ao mês de fevereiro, segundo dados divulgados pelo IBGE nesta sexta-feira. A expansão é resultado, principalmente, do aumento nos preços de combustíveis e do gás de botijão.
Em 12 meses, o IPCA registra aumento de 6,10% e, com o resultado, se encontra acima do teto da meta de inflação estabelecida para este ano. A meta de inflação do Banco Central para este ano é de 3,75%, podendo variar entre 2,25% e 5,25%.
A alta em 12 meses é a maior para desde dezembro de 2016, quando o indicador chegou a 6,29%.
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A inflação de março veio um pouco abaixo das expectativas de mercado. Segundo a Reuters, a projeção dos analistas para a inflação era de 1,03% em março.
Gasolina tem alta de 23,48% em 12 meses
Segundo o IBGE, o grupo de Transportes foi o que teve maior impacto porque neste grupo ficam os combustíveis. Somente a gasolina teve uma alta de 11,26%. Em 12 meses, acumula 23,48%.
Pedro Kislanov, gerente da pesquisa do IBGE, explica que a aplicação de sucessivos reajustes nos preços da gasolina, óleo diesel e gás nas refinarias, entre fevereiro e março, impactou os preços de venda para o consumidor final nas bombas.
— Houve um ganho de peso do grupo Transporte nos últimos dois meses. Ano passado, foi o grupo Alimentação, mas agora voltou a ganhar peso o grupo de transportes por conta do preço da gasolina — destaca Kislanov.
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Ele lembra, no entanto, que a Petrobras anunciou duas reduções no preço da gasolina e uma no diesel, no mês passado. Nesta sexta-feira, a estatal reduziu novamente o preço do diesel nas refinarias. Só que os repasses dos preços aos postos dependem também de fatores como impostos, estoques, margens de lucro de distribuição e revenda e mistura de biocombustíveis.
— É possível que venha a ser provocada uma queda, mas é preciso avaliar o cenário mês a mês — pondera Pedro Kislanov.
O estado do Rio, em particular, teve outros aumentos que impactaram a inflação no mês. O preço das passagens de trem subiu 6,38%, resultando em uma alta de 3,57% no custo dos transportes.
Outras pressões vieram dos reajustes das tarifas de energia da Enel e da Light, e do gás encanado, pressionando o bolso do consumidor.
Preço dos alimentos desacelera
A inflação do grupo Alimentação e bebidas, que teve alta de 14,09% em 2020, vem desacelerando e avançou 0,13% neste mês de março. O preço continua subindo, mas sobe menos a cada mês.
As variações anteriores foram de 1,74% em dezembro, 1,02% em janeiro e 0,27% em fevereiro.
Kislanov explica que os alimentos apresentam uma tendência de desaceleração desde dezembro. Fatores como estabilidade do câmbio e a redução na demanda por conta da suspensão do auxílio emergencial nos primeiros meses do ano contribuem para o resultado.
— Além das questões sazonais, pode ter efeito da ausência do auxílio emergencial e de uma menor demanda por legumes e verduras por conta do lockdown em algumas cidades, que faz com que as pessoas circulem menos e, por consequência, comprem menos alimentos perecíveis — avalia.
Perspectivas e meta de inflação
Com o IPCA avançando, aumenta a pressão sobre o Banco Central para subir a Selic, taxa de juros básica da economia. A perspectiva é de avanço de 0,75 ponto percentual da Selic na próxima reunião prevista para maio do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central.
Para o Comitê, o segundo semestre deve mostrar uma retomada robusta da atividade com o avanço da vacinação.
Analistas avaliam, porém, que as pressões de custo no atacado não dão sinais de alívio em um primeiro momento, em razão do aumento dos preços de matérias-primas - como aço, soja e petróleo - e da alta da taxa de câmbio, o que resulta em aumento nos preços ao consumidor.
O Índice de Commodities Brasil (IC-Br), que mede a variação dos preços de produtos primários com cotação internacional, teve alta de 5,32% em março e registra alta de 66% em 12 meses.
Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, avalia que a inflação vai avançar nos próximos meses, atingindo um pico de 7,5% entre julho e agosto e fazendo uma convergência para o centro da meta de inflação no final do ano.
— O avanço no preço de commodities e alimentos ocorreu no segundo semestre do ano passado e esse nível de preço permanece. A inflação tende a se diluir, só que num processo longíquo que supera 12 meses — afirma o economista.
Por isso, ele avalia que a pretensão do Banco Central de elevar os juros na próxima reunião tem relação com a expectativa de inflação para 2022 e não com a inflação corrente, já que os efeitos mais robustos da alta de juros levam de seis meses a um ano para aparecer. Assim, Sanchez aposta na aceleração do ritmo de vacinação para retomada da atividade econômica:
— A melhor vacina para economia é a vacina do coronavírus. Avalio, aliás, que a política monetária não terá mais potência sobre 2021 na reunião. Mas não vejo processo de estagnação econômica, e a inflação de custo tende a se diluir — diz Sanchez.
Júlia Passabom, economista do Itaú Unibanco, prevê trajetória semelhante para a inflação: um pico no meio do ano tendo em vista os 12 meses e, em seguida, perda de força do índice, que deve encerar o ano dentro da meta estabelecida pelo BC.
A tendência, segundo ela, é de dissipação do choque de commodities diante das próximas elevações da Selic, que também traz espaço para apreciação do câmbio ao final de 2021:
— Quando olhamos em 12 meses, (a inflação) vai continuar acelerando bastante. Assusta o 6,10% e vai bater mais alto, com pico próximo de 7,7% a 7,8% na leitura de junho. Mas o juro faz o papel dele, o câmbio aprecia - com projeção para chegar a R$ 5,30 - e com isso a inflação deve ficar em 4,7% para o ano.
A preocupação para o segundo semestre do ano, apontam economistas, é a possível pressão dos preços no setor de serviços com o avanço da vacinação e a retomada da economia. Se hoje há um choque de custo, poderá haver um choque de demanda:
— A gente está de olho em como será o segundo semestre, quando o setor de serviços de fato puder reabrir e como isso vai se refletir no segmento, se haverá pressão de oferta com a demanda voltando muito rápido e o que isso vai ter de impacto em preços — destaca Passabom.