O Globo, n. 32026, 13/04/2021, Economia, p. 15

 

Orçamento dá superpoder a relator e reduz transparência 

Manoel Ventura

Natália Portinari

13/04/2021

 

 

A crise criada em torno do Orçamento de 2021 escancarou o superpoder que o relator-geral da proposta orçamentária tem desde o ano passado. Sozinho, o senador Márcio Bittar (MDB-PE) indicou R$ 29 bilhões em emendas —recursos que agora estão na mira do Ministério da Economia. O valor é quase o mesmo que foi indicado no ano passado pelo então relator, deputado Domingos Neto (PSD-CE): R$ 30 bilhões.

Pelas regras atuais, apenas o relator pode cancelar os recursos e indicar ordens de prioridades na execução dos projetos. É um superpoder criado pelo Congresso e que vem sendo usado pelo governo e pelos parlamentares para cumprir acordos políticos.

Por outro lado, isso acaba reduzindo a transparência sobre a gestão orçamentária. No papel, o relator é o responsável pela indicação dos recursos, que, na prática, foram escolhidos por parlamentares aliados.

DISTRIBUIÇÃO DESIGUAL

Emendas parlamentares tradicionais são obrigatórias e distribuídas igualmente entre governo e oposição. É um recurso destinado a um projeto específico, como obra ou serviço, a ser executado por um ministério obrigatoriamente.

As emendas de relator, por outro lado, ficam apenas na conta desse parlamentar. Mas, na verdade, há por trás disso um conjunto de indicações políticas da base aliada do governo que não podem ser identificadas pela sociedade.

A ideia de usar as emendas de relator para indicações informais de deputados e senadores surgiu no fim de 2019. O então presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), queria que o Congresso controlasse uma fatia maior do Orçamento. O ministro da Economia, Paulo Guedes, concordou com a proposta no primeiro momento.

A solução técnica foi articulada pelo deputado Cacá Leão (PP-BA), relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020 — na qual foi introduzida essa forma de emenda em seu desenho atual —e Domingos Neto, relator da Lei do Orçamento Anual (LOA) de 2020.

As indicações do relator são conhecidas apenas pelos parlamentares. O resultado é que alguns deputados e senadores tiveram direito a “superemendas” no ano passado. O senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) enviou R$ 123 milhões para Santana (AP), por exemplo; o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDBPE), enviou R$ 86 milhões a Petrolina (PE), cidade da qual seu filho, Miguel Coelho, é o prefeito.

A cidade que mais recebeu emendas de relator em 2020 foi Tauá (CE), onde a mãe de Domingos Neto, Patricia Aguiar, foi eleita prefeita naquele ano. Os acordos foram chancelados pela cúpula do Congresso, mas geraram desgaste no “baixo clero” por sua distribuição desigual.

Os acordos são informais e seu cumprimento passa pelo controle da Secretaria de Governo, ministério da articulação política hoje nas mãos de Flávia Arruda (PL-DF), deputada aliada do presidente da Câmara, Arthur Lira (PPAL), e do centrão.

Sem o aval do relator, porém, o governo não pode remanejar a verba dessas emendas para outros ministérios, assim como ocorre com as emendas parlamentares comuns. Isso vem motivando o desgaste no governo federal sobre o tamanho dessas verbas, que alcançaram R$ 29 bilhões no Orçamento aprovado pelo Congresso.