O Globo, n. 32026, 13/04/2021, País, p. 4

 

Manobra para desviar o foco

Daniel Gullino

Jussara Soares

Paulo Cappelli

Julia Lindner

13/04/2021

 

 

O governo abandonou a estratégia de tentar retirar assinaturas da CPI da Pandemia para barrar sua criação e passou a apostar na ampliação de seu escopo de investigação para incluir também governadores e prefeitos. A divulgação de uma conversa telefônica entre o presidente Jair Bolsonaro e o senador Jorge Kajuru (Cidadania GO) fez o Palácio do Planalto passar a tratar a instalação da comissão parlamentar de inquérito como irreversível (leia mais detalhes no texto abaixo).

Nessa linha, senadores aliados assinaram em peso um requerimento de Eduardo Girão (Podemos-CE) de uma outra comissão, focada em investigar fatos revelados em operações da Polícia Federal realizadas em estados e municípios. A proposta de Girão, que teve apoio de 33 colegas, é de uma CPI com apenas sete integrantes, o que facilitaria o controle do colegiado pelo governo, devido à distribuição de vagas entre os partidos, como registrou a colunista Malu Gaspar.

A comissão que teve a instalação determinada pelo ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF) teria 11 membros, com a oposição podendo chegar a ter maioria, a depender das escolhas dos líderes partidários. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), manteve a programação de fazer hoje a leitura em plenário deste primeiro requerimento.

ALCANCE DA INVESTIGAÇÃO

Pacheco informou ao GLOBO que vai discutir com a Secretaria-Geral da Mesa Diretora se a criação de uma CPI para investigar a gestão de governadores no combate à pandemia, conforme o requerimento de Girão, viola as prerrogativas do Senado. Isso porque, segundo o regimento interno, a Casa não pode criar CPI sobre questões inerentes aos estados. A dúvida é se competiria apenas às assembleias legislativas esse tipo de investigação.

No Palácio do Planalto, auxiliares do presidente negam que a divulgação do áudio da conversa com Kajuru tenha sido combinada, mas acreditam que o fato vai ajudar o discurso de Bolsonaro. Na semana passada, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), chegou a anunciar que iria trabalhar para retirar assinaturas do requerimento de criação da CPI. A iniciativa, contudo, fracassou.

Apesar de admitirem um desgaste político, auxiliares consideram que Bolsonaro não tem nada a perder, porque já é criticado constantemente e não existiriam fatos novos a serem apresentados. Governadores e prefeitos que não estão em evidência, por outro lado, podem ser prejudicados, segundo esses auxiliares, já que o desenrolar de uma CPI é tido como imprevisível, e novas investigações podem surgir. O governo federal vai insistir na tese de que fez os repasses necessários e que estados e municípios devem responder como aplicaram as verbas.

Uma preocupação em relação à CPI é com a articulação política no Senado. Um ministro, ouvido de forma reservada, reconhece que a relação com os senadores é pior do que a com a Câmara, mas rejeita a ideia de que é necessário entregar um ministério a um senador para reverter o cenário.

Líder do governo no Congresso, o senador Eduardo Gomes (MDB-TO) diz que o Planalto não agiu para impedir a instalação da comissão, mas afirma que ela só fará sentido se englobar governadores e prefeitos:

—Nas últimas dez CPIs, o escopo foi ampliado por sugestão do roteiro de trabalho do relator e votação do plenário da CPI. Essa também seria. Como o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) já pediu, e outros já pediram, não tem que discutir isso. A CPI, se funcionar, será com estados e municípios —disse Gomes.

Há ainda em debate, uma terceira CPI começou a ter assinaturas coletadas pelo senador Roberto Rocha (PSDB-MA), alinhado ao Planalto. A proposta dele é de fazer uma comissão mista, incluindo deputados, com foco no repasse de recursos federais aos estados e municípios.

“NÃO HÁ NECESSIDADE”

Líder da maioria no Senado, Renan Calheiros (MDBAL), de perfil oposicionista, afirma que o governo tenta dispersar o foco, ao propor a investigação ampliada.

— Não há necessidade da criação de nova CPI, tendo em vista que investigações sobre estados e municípios podem ser feitas por meio da CPI já pleiteada anteriormente pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que tem como foco o governo federal.

De acordo com o senador, a “maioria dos líderes de partidos é a favor de ampliar as investigações”.

— Ninguém é contra ampliar a CPI, mas sim dispersar o foco mirando a impunidade, que é a estratégia do governo —disse o senador.