O Globo, n. 32025, 12/04/2021, País, p. 4

 

Ataque presidencial

Eliane Oliveira

Bruno Goés

12/04/2021

 

 

Em conversa telefônica gravada e divulgada ontem pelo senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO), o presidente Jair Bolsonaro defendeu que a CPI da Pandemia no Senado investigue também governadores e prefeitos. O objetivo da comissão, que teve a instalação determinada pelo ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), é investigar as eventuais omissões do governo federal no combate ao coronavírus. No telefone, Bolsonaro demonstrou temor de uma apuração que só atinja integrantes do governo federal e produza um relatório “sacana” contra ele e aliados.

Um requerimento que pede a extensão da apuração para gestores estaduais e municipais já foi apresentado pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE). A ampliação também é defendia pelo líder do PP na Casa, Ciro Nogueira (PI), aliado de Bolsonaro.

De acordo com Kajuru, o telefonema ocorreu na noite de sábado. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), lerá amanhã em plenário o requerimento de instalação, primeiro passo necessário para o funcionamento. Na quarta-feira, o plenário da Corte se reunirá para julgar a decisão em que Barroso ordenou que a CPI, que reuniu o mínimo necessário de assinaturas em fevereiro, passasse a funcionar.

— Se não mudar o objetivo da CPI, ela vai vir para cima de mim. O que tem que fazer para ser uma CPI útil para o Brasil: mudar a amplitude dela. Bota presidente da República, governadores e prefeitos — disse Bolsonaro na ligação, acrescentando: —Se não mudar (a amplitude), a CPI vai simplesmente ouvir o (ex-ministro Eduardo) Pazuello, ouvir gente nossa, para fazer um relatório sacana.

O presidente disse ainda que não tem “nada a esconder” e pediu apoio ao senador para pressionar o STF a determinar que o Senado abra processos de impeachent contra ministros da Corte. No dia seguinte à decisão de Barroso, Bolsonaro afirmou que o ministro fez “politicalha” e o provocou a determinar a abertura de procedimentos contra colegas.

O início de um processo de impeachment contra um integrante do STF, no entanto, é decisão do presidente do Senado. E trata-se de uma situação distinta de CPIs, casos em que há a obrigação constitucional de instauração quando três requisitos são preenchidos: assinatura de um terço dos parlamentares; fato determinado a ser apurado; prazo mínimo de funcionamento.

— Uma coisa importante. Vamos lá: você tem que fazer do limão uma limonada. Por enquanto, é um limão que está aí, dá para ser uma limonada. Tem que que peticionar o Supremo para botar em pauta o impeachment (dos ministros do STF).

O senador respondeu que a atitude já foi tomada em relação a Alexandre de Moraes. Kajuru explicou que o pedido foi direcionado a Pacheco, não ao STF — Bolsonaro respondeu com “parabéns” ao receber a informação.

Kajuru é um dos autores da ação que levou à decisão do STF, na última quinta feira. Ao GLOBO, o senador disse ter divulgado o diálogo telefônico por se tratar de um assunto público.

—Não tem como cancelar a CPI — disse o parlamentar, em referência ao número de assinaturas, que ontem chegou a 33, com a adesão de Chico Rodrigues (DEM-RR).

O aumento no número formal de apoios revela que a estratégia anunciada pelo líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), não funcionou nos últimos dias. Para o líder da oposição na Casa, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), no entanto, a possível ampliação de escopo será usada pelo Palácio do Planalto para tumultuar o andamento dos trabalhos. Por outro lado, ele enxerga a correlação de forças como positiva para os desdobramentos da investigação.

— Nós vamos ter uma CPI em que teremos uma composição com três membros do MDB, dois da oposição, e três membros do bloco PSDB/Podemos. Isso dá uma maioria independente para a CPI. Então, acredito que a composição impedirá uma tendência governista. Haverá uma tendência que não seja só governo ou só oposição —disse Randolfe.

MODELO DE FUNCIONAMENTO

Outro debate se dará em torno do modelo de funcionamento: híbrido ou presencial. Para o vice-líder do PSD, Omar Aziz (AM), que assinou lista de apoio à CPI, só deve haver o pleno funcionamento da comissão após o avanço da imunização no Brasil. O senador será um dos indicados pelo partido, mas afirma que “ninguém vai querer comparecer em ambiente fechado, no covidário do Senado”.

—Os que não assinaram são até a favor (da investigação da CPI) . Mas não vai dar para fazer as sessões, que só são presenciais, agora. Não há clima para isso no Senado. A CPI das Fake News, por exemplo, está há um ano sem funcionar, porque não dá para fazer presencial. Então, também para quem discorda da CPI, o argumento era esse: como fazer presencial? Já morreram três senadores, morreram funcionários — argumentou o senador.