Correio Braziliense, n. 21.141, 12/04/2021. Brasil, p. 4

 

Entrevista - Frederico Carneiro: “O Estado não pode forçar tudo"

Frederico Carneiro

12/04/2021

 

 

“O Estado não pode forçar tudo”

No começo do governo, o presidente Jair Bolsonaro abriu uma campanha contra os radares que impõem limites de velocidade nas estradas e vias expressas e foi um dos maiores estimuladores das mudanças que desembocaram no novo Código de Trânsito. Tudo indicava o desejo de flexibilizar as regras de um dos trânsitos mais violentos do mundo. Mas, segundo Frederico Carneiro, presidente do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), não há afrouxamento nem estímulo à infração pelos condutores no novo CTB — há a modernização de um conjunto de normas excelentes, mas de difícil execução. Ele defende, ainda, que não basta punir o motorista e que se deve criar um ambiente nas ruas e nas estradas de educação e bem-estar.

Especialistas criticam as alterações no CTB. Dá para contar com a boa vontade das pessoas?

Não há como (contar com) a garra do Estado para forçar tudo isso. A responsabilidade é compartilhada; é dever do Estado, mas o cidadão é fundamental. A gente precisa, sim, contar com esse senso de cidadania, de respeito às regras de trânsito, civilidade, gentileza e generosidade.

Uma das mudanças previstas é o aumento do limite de pontos para suspensão do direito de dirigir. Essa flexibilização não incentiva o infrator?

Os órgãos de trânsito estavam recebendo muitos processos por conta da suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Não estavam conseguindo atender à vazão. No final, para o condutor que atingia os 20 pontos deveria ser aberto um processo administrativo, mas o número de situações em que efetivamente a suspensão é aplicada é reduzido. O que se pretendeu foi estabelecer os mesmos critérios rigorosos para as infrações gravíssimas. As infrações graves ficaram com um limite mais estendido, de forma que os órgãos consigam aplicar a suspensão.

As alterações contribuirão para reduzir mortes e acidentes?

De um modo geral, trazem benefícios para a segurança. Por exemplo: a cadeirinha de bebês. Até então, a obrigatoriedade desse dispositivo não estava previsto no Código (de Trânsito Brasileiro, CTB) e isso trazia insegurança jurídica para aplicação da penalidade. Outra medida é o recall — a convocação do proprietário para a troca de uma peça ou um componente com defeito num veículo. Antes, não havia força legal para obrigá-lo a ir à concessionária, mas, agora, ao receber a notificação da montadora, tem um ano para atender ao chamado. E só licenciará o veículo depois que fizer o recall.

Dirigir 20% acima da velocidade é infração média. E alta velocidade é um dos indutores de acidentes graves. Com a ampliação dos pontos, quem dirigir acima de 20% poderá cometer o dobro de infrações do que as que podia com o código atual. Não é mais perigoso?

Em uma via, você pode colocar elementos para fazer com que a velocidade seja reduzida, como rotatórias e radares. Não pode jogar tudo nas costas do condutor, porque ele é humano e estará sujeito ao erro; não pode atribuir a um único fator. É uma combinação, e temos que atuar em todos esses pontos. Isso vai garantir uma visão integral da segurança.

Não acha que se deve ampliar o número de radares para coibir a alta velocidade?

A gente não pode concentrar as ações de segurança em um único ponto. Radar não é a solução do problema — longe de ser. A gente precisa de um conjunto. Cobrir a cidade de radares não resolve.