O Globo, n. 32023, 10/04/2021, Economia, p. 16

 

Guedes admite erro em negociação de Orçamento

Manoel Ventura

10/04/2021

 

 

Um dia após o presidente Jair Bolsonaro entrar diretamente nas negociações sobre o Orçamento em um momento de desgaste entre Paulo Guedes e o Congresso, o ministro da Economia admitiu ontem que a equipe econômica errou nas discussões em torno da proposta. Na mesma declaração, Guedes alfinetou ministros que, na avaliação dele, pressionam por mais gastos — em uma referência indireta a Rogério Marinho, chefe do Ministério de Desenvolvimento Regional (MDR), seu desafeto.

— Deve ter tido erro na equipe econômica? Sim, certamente tem erro ali. Certamente tem erro quando um ministro pula a cerca e vai combinar um negócio que não está combinado com a Segov (Secretaria de Governo), que é quem está conduzindo o acordo político — disse o ministro, em evento virtual promovido por um banco.

Em outra referência a Marinho, Guedes disse que há ministros "fura-teto" no governo:

— Tem sempre o ministro mais ousado. Tem ministro fura-teto, tem de tudo aqui. Tem ministro que não desiste, volta toda hora e bate no mesmo lugar. Isso acontece volta e meia. Isso bota em risco o grupo inteiro — afirmou. — Não adianta querer levantar o governo agora através de obras.

'O PAU COME. É DO JOGO'

Nos últimos dias, parlamentares têm se queixado de que a culpa por um Orçamento considerado inexequível recaiu apenas sobre o Legislativo. O texto reduziu a previsão de despesas obrigatórias para abrir espaço para elevar emendas, indicações de gastos de interesse dos políticos.

Na fala de ontem, Guedes reconhece que parte dos desencontros se deveu a seu próprio time. Ele comparou o episódio ao pouso de uma nave em Marte. Houve, disse, um desvio de rota: —Você está aterrissando a nave em Marte. Aí chega um macaco lá, aperta três botões, chuta o painel e começa a desviar a nave. Isso acontece. O macaco, no fundo, é um desacerto entre nós. Não é pessoal, não é ninguém. Um macaco pode ter sido da economia, o outro macaco está no Congresso, outro macaco está lá no entorno do presidente, outro macaco foi um ministro. O ministro confirmou um acordo para subir em R$ 16,5 bilhões as emendas neste ano. Mas disse que houve equívocos e excessos. As emendas acabaram subindo bem mais: R$ 26,5 bilhões. — O primeiro acordo era em torno de R$ 8 (bilhões), ela (a Economia) acompanhou. O segundo acordo era R$ 16 (bilhões), ela acompanhou. De repente fizeram um acordo que extrapolou e não cabia. Houve equívocos de um lado ou de outro. Todo mundo está junto no erro —afirmou. Para ele, são normais as divergências entre Congresso, Executivo e até entre integrantes do governo: — Não é nunca tudo suave. O pau come. É do jogo. Isso é do jogo. O que interessa é o sinal, não é o barulho.

SEM ESTADO DE CALAMIDADE

Guedes também descartou ontem a possibilidade de decretar novamente o Estado de Calamidade Pública, que suspende as regras fiscais para aumentar os gastos durante a pandemia de Covid-19. Guedes afirmou que seria um "cheque em branco" que "derruba o Brasil": —Nós estamos na cauda de uma pandemia. Se tiver que gastar meio porcento, 1% do PIB com o BEm (benefício para manutenção de empregos), com o Pronampe (empréstimos para pequenas empresas), não é isso que vai derrubar o Brasil. O que derruba o Brasil é um cheque em branco para gastar de novo 4%, 5%, 8% do PIB. Isso acaba com o país. Nós estamos fazendo essa acomodação. O Estado de Calamidade, que vigorou até 31 de dezembro do ano passado, permitiu ao governo gastar mais de R$ 500 bilhões no combate à pandemia. Este ano, sem esse mecanismo, o Ministério da Economia está tendo dificuldades técnicas de reeditar medidas para conter acrise causada pela Covid-19. Segundo Guedes, não haveria ganho este ano porque os salários dos servidores públicos já estão congelados até dezembro. Uma proposta aprovada pelo Congresso no mês passado proíbe a concessão de reajustes durante o Estado de Calamidade. — Quando seguramos por dois anos o salário (dos servidores) no ano passado, o ganho já está aí. Se eu apertar agora, estou apenas liberando gastos indefinidamente, sem ganhar nada. Porque o ganho já é essa trava. Quando fizemos o protocolo para crises futuras era para crises futuras mesmo, não para uma cauda de uma crise em andamento — completou o ministro.

"Tem sempre o ministro mais ousado. Tem ministro fura-teto, tem de tudo aqui. Tem ministro que não desiste, volta toda hora e bate no mesmo lugar. Isso bota em risco o grupo inteiro"

"Você está aterrissando a nave em Marte. Aí chega um macaco lá, aperta três botões, chuta o painel e começa a desviar a nave. Isso acontece. O macaco, no fundo, é um desacerto entre nós"

"O que derruba o Brasil é um cheque em branco para gastar de novo 4%, 5%, 8% do PIB. Isso acaba com o país"