O Globo, n. 32023, 10/04/2021, País, p. 4

 

Em pé de guerra

André de Souza e Daniel Gullino

10/04/2021

 

 

Em resposta a ataques do presidente Jair Bolsonaro, o Supremo Tribunal Federal (STF) defendeu ontem a decisão do ministro Luís Roberto Barroso que determinou a instalação da CPI da Pandemia no Senado, para investigar eventuais omissões do governo na crise sanitária que assola o país. Em nota, a Corte afirmou que seus ministros tomam decisões “conforme a Constituição e as leis” e que, no estado democrático de direito, questionamentos a elas devem ser feitos “nas vias recursais próprias”. Barroso também reagiu afirmando que desempenha seu papel com “seriedade, educação e serenidade”. Ele ressaltou ainda ter consultado todos os ministros do STF antes de atender ao pedido feito à Corte pelos senadores Jorge Kajuru (Cidadania-GO) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE).

“Na minha decisão, limitei-me a aplicar o que está previsto na Constituição, na linha de pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, e após consultar todos os ministros. Cumpro a Constituição e desempenho o meu papel com seriedade, educação e serenidade. Não penso em mudar”, disse Barroso, em nota. Ao consultar os colegas antes de dar a liminar, Barroso recebeu apoio da maioria — uma exceção foi Kassio Nunes Marques, indicado por Bolsonaro. O ministro também falou com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), antes da divulgação da decisão, para dar a oportunidade de que a CPI fosse instalada. O presidente do STF, Luiz Fux, também conversou com Pacheco e preferia que o Senado resolvesse o assunto.

CONFIRMAÇÃO EM PLENÁRIO

Ministros do Supremo ouvidos pela colunista Bela Megale avaliam que a decisão deve ser mantida pelo plenário da Corte. Barroso pautou para a próxima sexta-feira o início do julgamento de sua liminar no plenário virtual. Nesse tipo de julgamento, os ministros apresentam seus votos por escrito e não há um debate sobre o tema na sessão. Os magistrados podem depositar seus votos até o dia 26 de abril. O presidente do Senado, no entanto, afirmou que, na próxima semana, já inicia os procedimentos de instauração da CPI da Pandemia. “O Supremo Tribunal Federal reitera que os ministros que compõem a Corte tomam decisões conforme a Constituição e as leis e que, dentro do estado democrático de direito, questionamentos a elas devem ser feitos nas vias recursais próprias, contribuindo para que o espírito republicano prevaleça em nosso país”, diz trecho da nota do STF divulgada ontem, após ataques de Bolsonaro a Barroso. O ministro Marco Aurélio Mello também viu como acertada a decisão do colega:

— Comissão parlamentar de inquérito é instrumento ao alcance da minoria, e não apenas da maioria. E aí evidentemente se tem um terço de assinaturas. Não dá para sentar em cima . Para uma CPI ser instalada no Senado, é preciso ter um terço de assinaturas, ou seja, 27 dos 81 senadores. A oposição conseguiu 32, mas o presidente da Casa vinha resistindo a instalála desde fevereiro. Ontem, Pacheco, apesar de ser contrário à instalação da comissão parlamentar de inquérito neste momento, disse que não vai atuar contra.

— Não vou trabalhar um milímetro para mitigar a CPI nem para que não seja instalada nem para que não funcione — disse ele, em entrevista ao jornal “Folha de S.Paulo”. Em reação à decisão de Barroso, Bolsonaro afirmou ontem que o ministro faz “politicalha” e “ativismo judicial”. O presidente disse ainda que Barroso não tem “coragem moral” para determinar também que o Senado analise pedidos de impeachment contra ministros do STF. Diversos pedidos de impeachment contra membros da Corte foram apresentados nos últimos anos, mas nenhum teve andamento. Essa, porém, não é uma prerrogativa do STF, e sim do presidente do Senado.

—Pelo que me parece, falta coragem moral para o Barroso e sobra ativismo judicial. Não é disso que o Brasil precisa. Vivemos um momento crítico de pandemia, pessoas morrem, e o ministro do Supremo Tribunal Federal faz politicalha junto ao Senado Federal — disse o presidente, em conversa com apoiadores no Palácio da Alvorada.

Na decisão, Barroso destacou que o tribunal tem o entendimento de que uma CPI deve ser instalada quando cumpridos os requisitos previstos pela Constituição, que são o apoio de pelo menos um terço dos senadores, indicação de um fato determinado a ser apurado e prazo estabelecido de duração.