O Globo, n. 32022, 09/04/2021, País, p. 6

 

Celso de Mello: Bolsonaro ‘desconhece o valor da vida’

Aguirre Talento

09/04/2021

 

 

O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello enviou uma mensagem a amigos na qual fez duras críticas à atuação do presidente Jair Bolsonaro na pandemia da Covid-19, afirmando que o presidente “desconhece o valor da vida”, por impedir a decretação de um lockdown nacional. Aposentado do STF em outubro do ano passado, Celso tem se mantido afastado da vida pública desde então. Tem vivido em reclusão na sua residência em Tatuí (SP), sua cidade natal, mas fez esse desabafo a respeito do assunto.

“Hoje, em nosso País, o Presidente da República (que julga ser um monarca absolutista ou um contraditório ‘monarca presidencial’) tornou-se, com justa razão, o Sumo Sacerdote que desconhece tanto o valor e a primazia da vida quanto o seu dever ético de celebrá-la incondicionalmente!!! A sua arbitrária recusa em decretar o ‘lockdown’ nacional (como ocorreu em países de inegável avanço civilizatório) equivale a um repulsivo e horrendo ‘grito necrófilo’”, escreveu Celso de Mello. A mensagem do ex-ministro foi revelada pelo site “Conjur” e obtida pelo GLOBO.

Esse grito necrófilo, explica o ex-ministro, refere-se a um fato histórico: “o conflito entre Miguel de Unamuno, Reitor da Universidade de Salamanca no início da Guerra Civil espanhola, em 1936, e o General Millán Astray, que, seguidor falangista fiel ao autocrata Francisco Franco, ‘Caudilho de Espanha’, lançou o grito terrível ‘¡Viva la Muerte; abajo la inteligencia’!”.

O ex-ministro cita, em sua mensagem, o lockdown feito no município de Araraquara (SP),pelo prefeito Edinho Silva (PT), como exemplo bem sucedido para o Brasil de combate à pandemia e elogia o fato de a medida ter seguido recomendações científicas das principais autoridades do mundo. Após o fechamento das atividades, os casos e mortes na cidade foram reduzidos drasticamente.

“Esse gesto insensato do Presidente da República , opondo-se ao ‘lockdown’ nacional, mostra-se, de um lado, próprio de quem não possui o atributo virtuoso do ‘statesmanship’”. A expressão pode ser traduzida como sentido de Estado ou qualidade de estadista.

A vaga de Celso no Supremo foi ocupada pelo ministro Nunes Marques, indicado por Bolsonaro. Marques tem enfrentado desgastes dentro da Corte após ter determinado, em uma decisão monocrática concedida no fim de semana, a abertura de templos religiosos em meio ao recorde de casos e mortes de Covid-19.