O Globo, n. 32022, 09/04/2021, País, p. 6

 

STF autoriza fechamento de templos na pandemia

André de Souza

09/04/2021

 

 

Por nove votos a dois, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem pela possibilidade de estados e municípios decretarem o fechamento de templos religiosos como forma de combater a pandemia do novo coronavírus. Os ministros favoráveis à restrição criticaram o negacionismo e a atuação do governo federal. Eles destacaram que não se tratava de julgar a liberdade religiosa. Autor da liminar que suspendeu temporariamente proibições de missas e cultos presenciais, Kassio Nunes Marques defendeu que “o confinamento é importante, mas também pode matar se não tiver um alento espiritual”.

Votaram a favor da possibilidade de proibição o relator, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Luiz Fux. Apenas Nunes Marques e Dias Toffoli se posicionaram contra a autonomia de governadores e prefeitos para decidir sobre a questão.

Em seu voto, Nunes Marques disse que é preciso respeitar as liberdades constitucionais, entre elas o “livre exercício dos cultos religiosos”. Também refutou ser negacionista, como sugeriu Gilmar, e destacou que autorizou a abertura das igrejas condicionada a critérios como ocupação máxima de 25% e seguindo critérios sanitários.

— Um bom sinal de que é hora de intervir surge para o Judiciário quando as restrições aos direitos passam a ser impostas mesmo sem previsão na Constituição, por atos discricionários sem critérios de coerência e sem prazo para acabar. — afirmou Nunes Marques.

O ministro citou levantamento feito pelo GLOBO mostrando que, das 26 capitais, 22 já liberavam o funcionamento de igrejas antes da sua decisão:

—Seriam tais gestores negacionistas?

Nunes Marques disse que, durante a pandemia, para a maioria dos brasileiros, o direito de ir à igreja é relevante:

— O confinamento é importante, mas também pode matar se não tiver um alento espiritual.

Ao liberar a realização de atividades religiosas presenciais no último sábado, Nunes Marques atendeu a um pedido da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure). A decisão individual gerou insatisfação nos bastidores do tribunal. A votação em plenário acabou acelerada pela decisão de Gilmar, na segunda-feira, em sentido contrário. Ele negou liminar pedida pelo PSD contra decreto do governo do estado de São Paulo que proibiu a realização de cultos, missas e e outras atividades religiosas coletivas. O plenário do STF já havia decidido que estados e municípios têm autonomia para determinar medidas restritivas em meio à pandemia.

No julgamento de ontem, o ministro Alexandre de Moraes foi um dos que acompanhou Gilmar. Em seu voto, Moraes destacou que não estava sendo julgada a liberdade religiosa. Comparou o caso em análise com o fechamento das escolas e o veto a comícios, o que não significa restrição ao direito constitucional à educação ou à democracia.

— Quatro mil mortos por dia. O mundo ficou chocado quando, nas Torres Gêmeas, morreram 3 mil pessoas. Me parece que algumas pessoas não conseguem entender o momento gravíssimo dessa pandemia. Ausência de leitos, ausência de insumos, ausência de oxigênio. As pessoas morrendo sufocadas, umas das mais terríveis mortes, dolorosas, cruéis —disse Moraes, criticando ainda a baixa vacinação no Brasil.

O ministro Edson Fachin também acompanhou Gilmar e, sem citar nomes, deu um recado ao governo federal:

— Inconstitucional não é o decreto que na prática limita-se a reconhecer a gravidade da situação. Inconstitucional é a omissão que não age de imediato para impedir as mortes evitáveis. Inconstitucional é não promover meios para que as pessoas fiquem em casa, com o respeito ao mínimo existencial; inconstitucional é recusar as vacinas que teriam evitado o colapso de hoje.

PEDIDO DE DESCULPAS

O procurador-geral da República, Augusto Aras, ligou para Gilmar, segundo a colunista Bela Megale, para pedir desculpas por ter insistido que a ação apresentada pelo PSD fosse transferida para Nunes Marques. Aras disse que “houve um erro” e que “misturam” as ações. Em seu voto anteontem, Gilmar criticou o fato de o procurador-geral ter afirmado que ele não deveria ser o relator