O Globo, n. 32020, 07/04/2021, País, p. 4

 

Cargo ‘político’
Leandro Prazeres

Aguirre Talento

Daniel Gullino

Marlen Couto

07/04/2021

 

 

Depois de receber o aval do presidente Jair Bolsonaro e no mesmo dia em que tomou posse no cargo, o ministro da Justiça, Anderson Torres, anunciou ontem a troca do diretor-geral da Polícia Federal (PF). O delegado Paulo Maiurino assume no lugar de Rolando de Souza, que estava no comando da corporação desde 2020. O novo titular do posto estava distante da rotina de investigações — ele ocupava desde setembro o cargo de assessor da presidência do Conselho da Justiça Federal e havia passado por governos estaduais em anos anteriores. Também foi anunciado o nome do novo diretor da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Silvinei Vasques.

Na avaliação de especialistas ouvidos pelo GLOBO, as constantes mudanças de postos centrais no Ministério da Justiça e Segurança Pública contribuem para a descontinuidade de políticas públicas e projetos na área. Nos últimos cinco anos, por exemplo, nos governos Dilma Rousseff, MichelTemere Bolson aro, os ministros dapast aforam trocados, em média, acada sete meses. Comas aí dados titulares, atradiçãoé que sejam alterados nomes no segundo escalão, em órgãos como a Secretaria Nacional de Segurança Pública( Senasp ).

A gestão Bolsonaro tem sido marcada por acusações de tentativa de interferência política na PF. Esse foi o argumento utilizado pelo ex-juiz Sergio Moro ao deixar o Ministério da Justiça. A Polícia Federal atua em dois casos relacionados a filhos do presidente. O primeiro é um inquérito eleitoral, no Rio, que apura se o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) cometeu os crimes de lavagem de dinheiro e falsidade ideológica eleitoral ao declarar seus bens para a Justiça Eleitoral.

O segundo caso tem como alvo Jair Renan Bolsonaro, que atua como empresário, e foi instaurado no Distrito Federal. O objetivo é apurar se o filho do presidente cometeu o crime de tráfico de influência. A suspeita é de que ele tem atuado para marcar reuniões e abrir portas no governo federal para empresas privadas, conforme O GLOBO revelou em março.

A troca no comando da PF pegou delegados da cúpula da corporação de surpresa. A expectativa era que houvesse mudança, mas só nos próximos meses.

— As mudanças são naturais. E a gente sabe que todas as mudanças que você efetuará no seu ministério, é para melhor adequá-lo ao objetivo que você traçou — afirmou Bolsonaro na solenidade de posse de Torres, que foi fechada à imprensa.

Ao tomar posse, o novo ministro afirmou que as forças de segurança precisam garantir um“ire vir sereno e pacífico” e disseque o ministério fará isso. O discurso está alinhado com o de Bolsonaro, que costuma atacar medidas restritivas tomadas por alguns governadores e prefeitos para diminuir o contágio do novo coronavírus.

—Neste momento, a força da segurança pública tem que se fazer presente garantindo a todo sumi revir sereno e pacífico. Contem como Ministério da Justiça e Segurança Pública para dar essa Torres, ao assumir o posto de André Mendonça, que voltou para a Advocacia Geral da União (AGU).

Também repetindo o discurso de Bolsonaro, o ministros e mostrou preocupado com os efeitos econômicos das medidas restritivas e disse que sua pasta vai “ajudara superar” isso, sem explicar como:

— Nós precisamos dar um upgrade nesse momento, nós precisamos trazer de volta a economia desse país, agente precisa colocaras pessoas para trabalhar. Esse país precisa girar para agente poder sair dessa pandemia. Tenho muito medo de crises maiores decorrentes de fome, desemprego e outros problemas nesse sentido. Nós vamos ajudara superar tudo isso.

Torres afirmou ainda que dará destaque para a pauta da segurança:

— A segurança pública foi uma das principais bandeiras da sua eleição. E ela voltará a tremular alta e imponente, isso eu posso garantir à Vossa Excelência. Estejam certos disso.

FALTA DE CONTINUIDADE

Diretora do Instituto Igarapé, Melina Risso destaca que a segurança pública é um campo sempre deixado de lado pelo governo federa leque a situação se agrava pela falta de consolidação de uma política de longo prazo para o setor. Um exemplo da ausência de continuidade, segundo a p esquis adora,éoSis tema Único de Segurança Pública (Susp), aprovado em 2018, que não saiu do papel no governo Bolsonaro.

— A questão da Segurança Pública se agrava pela falta de consolidação desta política pública. Cada ministro que entrou propôs um plano diferente para a Segurança, e o que agente viu foi quen enhumd eles foi implementado—afirma Melina Risso.

O presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, concorda que os governos federais de modo geral não costumam ter um plano para a área, com algumas exceções, e também chama a atenção para a falta de definição sobre quais são as prioridades de atuação.

— Ades continuidade é a regra desde sempre no governo federal, porque ele nunca chamou para si o tema da segurança pública. Independentemente dos no mes que ocupamos cargos, há um problema, além da descontinuidade, que é a falta de prioridade. Uma coisa é falar que deu mais dinheiro, mas deu para quê? Para fazer mais do mesmo, operações que são importantes, mas que não mudam nada. A mudança substantiva ocorre no momento em que você chama para si a responsabilidade, tenta alterar a forma de fazer segurança e articula todos os atores envolvidos — avalia Lima.