O Globo, 03 de abril de 2021, nº 32016, País, p. 4

 

Salles ganha sobrevida

Jussara Soares

03 de abril de 2021

 

 

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sobreviveu à primeira reforma ministerial do presidente Jair Bolsonaro, e até mesmo adversários não veem chance de ele ser substituído no curto prazo. Ao contrário do exchanceler Ernesto Araújo, que não resistiu à ofensiva de parlamentares, Salles, diante da pressão do Centrão, agiu para se blindar no posto. Fugiu das polêmicas nas redes sociais, fortaleceu seu apoio no Congresso — sobretudo com abancada ruralista— e tratou de se reaproximar de militares do governo. Na tentativa de reconstruir a imagem do Brasil no exterior, sinalizou ao governo dos Estados Unidosdis posição de aconduçã od apolítica ambiental e tem realizado uma série de encontros com embaixadores.

A agenda do ministro do Meio Ambiente da última terça-feira ilustra bem o movimento que ele tem feito para se fortalecer. Começou o dia em seu gabinete com um café da manhã com o embaixador da Índia, Suresh Reddy, e encerrou com um jantar na embaixada do Reino Unido, com o embaixador Peter Wilson. Ao longo do dia, se reuniu com o deputado Neri Geller (PPMT), relator da proposta que trata do licenciamento ambiental e vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, e coma deputada bolso na ri sta Aline Sleutjes(PSL- PR ), presidente da Comissão de Agricultura. A agenda ainda registra uma videoconferência coma ministrado Supremo Tribunal Federal( STF) Rosa Weber sobre o Fundo Amazônia, suspenso desde 2019, e uma entrevista ao jornal americano New York Times, que publica frequentemente críticas à política ambiental de Bolsonaro.

ENCONTRO COM DOADORES

Na semana passada, Salles também se encontrou com o ministro de Clima e Meio Ambiente da Noruega, Ola Elvestuen. Em 2019, a Noruega, principal doadora, e a Alemanha suspenderam os repasses para o Fundo Amazônia. Desde fevereiro, há registros de reuniões com embaixadores da Espanha, Japão, Alemanha, União Europeia e dos Estados Unidos, Todd Chapman.

Ainda sem apresentar resultados concretos da investida internacional, Salles, a interlocutores, tem usado os compromissos para argumentar que o Brasil não está isolado mundialmente.

O compromisso mais emblemático ocorreu no dia 17 de fevereiro quando conversou com o representante especial para o clima do governo dos EUA, John Kerry. Desde então, outras três reuniões ocorreram com o governo americano para discutir o clima, Amazônia e a Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 26), que ocorrerá em Glasgow, na Escócia, em novembro. O ministro já confirmou que participará, junto com Bolsonaro, de cúpula virtual convocada para os dias 22 e 23 deste mês pelo presidente norte-americano, Joe Biden, para debater as mudanças climáticas.

Durante a eleição, Biden fez críticas à política ambiental de Bolsonaro e, em um debate, sinalizou que poderia retaliar o Brasil se o governo não tomar providência para reduzir o desmatamento da Amazônia, que atingiu seu maior patamar desde 2008. Já a área do Pantanal teve perda de 30% por causa das queimadas.

Salles tenta negociar uma parceria com os Estados Unidos em que o Brasil receba recursos para a criação de um novo fundo voltado para a preservação ambiental no país. Há uma expectativa de que, na cúpula climática organizada por Biden, os Estados Unidos anunciem esse acordo. O ministro está otimista que os americanos vão fechara parceria nesses termos, oque seria resultado de suasas aída de ledo cargo durante essas conversas poderia colocara consolidação dessa parceria em xeque.

A expectativa de Salles, no entanto, pode ser frustrada devido às pressões políticas internas nos Estados Unidos, que cobram o governo americano sobre o porquê de repassar verba para a gestão de Bolsonaro, que não tem compromisso ambiental.

O Ministério do Meio Ambiente terá este ano o menor orçamento desde 2000, com previsão de R$ 1,72 bilhão. No ano passado, o valor foi de R$ 2,67 bilhão. Deputados ligados ao tema apontam que os recursos vão inviabilizar ações de preservação do meio ambiente e até a manutenção de áreas de conservação.

Se o Brasil não começar a ter resultados positivos, ele (Salles) não conseguirá se manter — disse o deputado Rodrigo Agostinho

(PSB-SP), que presidiu a comissão de Meio Ambiente até o ano passado.

Relator do Orçamento, o senador Márcio Bittar (MDB-AC) colocou R$ 200 milhões para serem destinados à área de Qualidade Ambiental Urbana da pasta, que atua na questão dos lixões.

— Esse dinheiro é para o governo distribuir para deputados destinarem para suas cidades. Com isso, Salles faz política e em troca deputados defendem ele na Câmara. O Salles está conseguindo fazer articulação política para se manter, mas não sei se sobrevive por muito tempo porque não conseguirá mudar os números —diz Agostinho.

ALIADA NO CONGRESSO

Aliada do presidente Bolsonaro, a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) ganhou a presidência da Comissão do Meio Ambiente da Câmara, mas nega que tenha como missão blindar Salles.

—Não é uma questão de reduzir pressão, mas de tornar a pauta mais propositiva e trazer pontos desenvolvidos pelo ministério e que o público às vezes não enxerga. Acho que este ano vamos entregar projetos construídos em conjunto para viabilizar o combate ao desmatamento ilegal, que é um objetivo do ministério, vamos discutir menos o ruim e mais as entregas —disse a deputada.

Pressionado pelos recordes de devastação, Salles, no ano passado, entrou em confronto com ministros militares e, publicamente, se desentendeu com o ministro Luiz Eduardo Ramos, então na Secretaria de Governo, a quem chamou de “Maria Fofoca” em uma rede social. Salles considerou que Ramos havia atuado para tirar verbas de sua pasta e ameaçou paralisar o combate às queimadas. Bolsonaro agiu para contornar o conflito e a relação hoje é considerada cordial.

No Twitter, Salles diminuiu o tom para sair dos holofotes. Apesar do apoio que costuma receber da militância bolsonarista, aliados dizem que o ministro nunca foi um expoente da ala ideológica e o classificam como pragmático.

— Salles corrigiu a dialética, tem se mostrado proativo e tem prestígio com o presidente. Não se omite de debater temas. Tem pragmatismo, mas entregas agradam todo setor produtivo — disse o deputado Evair Mello (PPES), da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). (Colaborou Camila Zarur)