O Estado de S. Paulo, n. 46449, 19/12/2020. Política, p. A10

 

Bolsonaro incita PMs contra imprensa 

Caio Sartori

Emilly Benhke 

19/12/2020

 

 

Diante de 485 novos soldados da Polícia Militar do Rio e seus familiares, o presidente Jair Bolsonaro atacou a imprensa e estimulou os novos agentes a não acreditarem no que está nos veículos de comunicação. “Não esperemos da imprensa a verdade. As mídias sociais, essas sim, trazem a verdade, e não a fábrica de fake news que é a imprensa brasileira”, disse, em tom inflamado, sendo aplaudido pelos presentes. “Pensem nisso na hora de agir.”

O presidente também pediu para que os policiais tenham cuidado em operações. “Se preparem cada vez mais, simulem as operações que podem aparecer, porque em uma fração de segundo está em risco sua vida, do cidadão de bem ou de um canalha defendido pela imprensa brasileira”, disse.

“Não se esqueça disso, essa imprensa jamais estará do lado da verdade, da honra e da lei. Sempre estará contra vocês, pensem dessa forma para poderem agir”, afirmou. Os ataques ocorreram no mesmo dia em que a imprensa trouxe novas informações sobre a investigação contra seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos), que também estava na solenidade. “Trabalho de vocês é um dos mais sublimes do Brasil. Vocês oferecem a vida pela vida de terceiros e pelo patrimônio.”

Segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) obtidos pelo jornal Extra, no acumulado de janeiro a novembro, foram 1.160 mortes por intervenção policial no Rio, 31% a menos do que os 1.690 casos no mesmo período do ano passado. Em 2019, a polícia do Rio matou 1.810 pessoas.

Excludente. Na terça-feira passada, Bolsonaro defendeu retomar o debate da ampliação do excludente de ilicitude para forças policiais em operação. Uma proposta idêntica foi rejeitada pelo Congresso no primeiro ano de mandato do presidente.

Em outro momento do discurso no Rio, Bolsonaro, que sofreu anteontem uma derrota no Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu que Estados e municípios podem determinar sanções contra quem não se vacinar, disse que há harmonia entre os Poderes, “mas maior poder é o povo brasileiro”. O presidente já disse ser contra a vacinação obrigatória e afirmou que não pretende ser imunizado.

A cerimônia de formatura dos PMS ocorreu, no bairro de Jardim Sulacap, zona oeste da cidade. Estavam no evento o governador em exercício, Cláudio Castro (PSC), os ministros Ricardo Salles, do Meio Ambiente, e Braga Netto, da Casa Civil, e deputados federais bolsonaristas. Ninguém usava máscara.

Castro, cuja sobrevivência no cargo depende do apoio da família Bolsonaro, elogiou o presidente logo no início de seu discurso. “Hoje é um dia de orgulho para o nosso Estado. Temos aqui hoje pela primeira vez um presidente da República no nosso curso de formação”, disse.

Castro ainda convidou Flávio, seu principal interlocutor na família, para falar diante da tropa. O parlamentar chamou o mandatário interino de “governador honrado que defende a tropa”. “Sabemos que a Polícia Militar durante tantos anos foi massacrada e estamos lutando contra isso.” Bolsonaro retribuiu os elogios de Castro, disse que o governador “honra seu mandato” e retomou o discurso de que ele e as Forças Armadas devem lealdade ao povo.