O Estado de São Paulo, n. 46458, 28/12/2020. Política, p. A4

Presidente do TSE segura diplomação de 'ficha-suja'
Rafael Moraes Moura
28/12/2020



Judiciário. Barroso suspende pedido de candidato a prefeito em SP até decisão definitiva do STF; para ele, entendimento de Nunes Marques 'não produz efeitos imediatos e automáticos'

TSE. Defensor da Lei da Ficha Limpa, Barroso quer que plenário do Supremo defina posição antes de decidir sobre casos

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, suspendeu o pedido de diplomação de um candidato a prefeito de Pinhalzinho (SP) que seria beneficiado com o esvaziamento da Lei da Ficha Limpa. Ao menos cinco candidatos "fichassujas" já haviam acionado o TSE para tentar assumir o cargo em janeiro, depois que o ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), afrouxou as regras e encurtou o período de inelegibilidade para certos crimes. Barroso determinou a paralisação do caso de Pinhalzinho, até uma decisão definitiva do Supremo sobre o assunto.

O presidente do TSE vai avaliar separadamente cada caso durante o recesso. Segundo o Estadão apurou, a tendência é que os demais processos também sejam paralisados à espera de uma posição do plenário do STF. Até agora, quatro candidatos a prefeito – de Pinhalzinho, Pesqueira (PE), Angélica (MS) e Bom Jesus de Goiás (GO) – e um a vereador, de Belo Horizonte (MG), recorreram ao TSE para garantir a diplomação. Nos bastidores do TSE, a expectativa é a de que a medida que esvaziou a Lei da Ficha Limpa seja revista pelo Supremo.

Segundo dados do TSE, um total de 1.779 candidatos foram barrados pela Justiça Eleitoral com base na Lei da Ficha Limpa, mas nem todos se enquadram na brecha aberta pela liminar de Nunes Marques.

A primeira decisão sobre a controvérsia na Corte Eleitoral, que abriu o precedente a ser aplicado nos demais casos, diz respeito a Tião Zanardi (PSC), que obteve 55,86% dos votos válidos na disputa pela prefeitura de Pinhalzinho no mês passado. Zanardi foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa após ser condenado por crime contra a administração pública, o que levou o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) paulista a negar o registro de sua candidatura.

Em sua decisão, Barroso apontou que o entendimento de Kassio Nunes Marques "não produz efeitos imediatos e automáticos sobre as situações subjetivas versadas em outros processos". Na prática, Barroso manteve o impedimento da candidatura.

"É imperativo verificar se as demais circunstâncias afetas a cada caso comportam os efeitos do pronunciamento abstrato. Diante disso, afigura-se como medida de prudência aguardar nova manifestação do Supremo Tribunal Federal antes de se examinar o presente pedido de tutela cautelar", observou o presidente do TSE, em decisão assinada no último sábado.

Eleições suplementares. Árduo defensor da lei de iniciativa popular, o ministro também suspendeu a possibilidade de convocação de eleições suplementares, até uma nova decisão do plenário do STF. Dessa forma, o presidente da Câmara Municipal deverá assumir temporariamente a prefeitura até a definição da controvérsia pelo Supremo, afastando, por ora, o risco de convocação de novas eleições.

Frustrados com a decisão de Barroso, que fechou o caminho aberto por Nunes Marques, os candidatos "fichas-sujas" pretendem agora acionar o Supremo para garantir a posse. Em tese, cabe ao presidente do STF, Luiz Fux, analisar os casos urgentes que chegam ao tribunal durante o recesso, independentemente de quem seja definido o relator.

A torcida dos políticos, no entanto, é para que os pedidos de diplomação sejam sorteados para Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, que decidiram manter a rotina de trabalho em pleno recesso, esvaziando o poder de Fux. Gilmar já elogiou a decisão de Nunes Marques e é um feroz crítico da Lei da Ficha Limpa – há quatro anos, disse que a legislação é "mal feita" e "parece que foi feita por bêbados".

Ao analisar o caso de Pinhalzinho, Barroso destacou dois pontos levantados pela Procuradoria-geral da República (PGR) contra a decisão que esvaziou a Lei da Ficha Limpa: o fato de a legislação já ter sido validada pelo plenário do próprio STF; e a quebra da isonomia no pleito de 2020, já que a liminar de Nunes Marques vale apenas para os registros que ainda aguardam análise do TSE e do STF.

O presidente do TSE também ressaltou que a diplomação dos candidatos eleitos ocorreu em 18 de dezembro, um dia antes da decisão de Nunes Marques. "Na linha da pacífica jurisprudência vigente, a diplomação é o marco final para o reconhecimento de fato superveniente ao registro apto a afastar a inelegibilidade", destacou Barroso.

No sábado, Nunes Marques fixou um prazo de 5 dias corridos para o PDT se manifestar sobre o pedido de reconsideração da decisão que esvaziou a Lei da Ficha Limpa. Também deu 15 dias úteis para a legenda oferecer resposta ao recurso da Procuradoria-geral da República (PGR). "Nada impede porém, que o pedido formulado pelo Ministério Público Federal, sobrestamento (suspensão) de ações relacionadas ao tema em trâmite perante a Justiça Eleitoral, seja apreciado pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral, que poderá, analisando o caso concreto, aferir a coincidência com o tema bem como a necessidade de sobrestamento de cada feito, até ulterior deliberação do plenário do STF."

O ministro ainda autorizou que a Secretaria Executiva do Comitê Nacional do Movimento de Combate à Corrupção acompanhe o caso na condição de "amigo da Corte", ou seja, como um interessado que pode se pronunciar nos autos do processo.

A decisão de Nunes Marques provocou fortes críticas de integrantes do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ministros ouvidos pelo Estadão avaliaram que o entendimento flexibilizava "regras já confirmadas pelo próprio STF". O presidente Jair Bolsonaro, por sua vez, rebateu nas redes sociais as críticas disparadas contra o ministro.

PARA ENTENDER

Punição teve marco alterado

Em uma decisão de apenas quatro páginas tomada às vésperas do recesso do Supremo, o ministro Kassio Nunes Marques considerou inconstitucional um trecho da Lei da Ficha Limpa que fazia com que pessoas condenadas por certos crimes – contra o meio ambiente e a administração pública, lavagem de dinheiro e organização criminosa, por exemplo – ficassem inelegíveis por mais oito anos, após o cumprimento das penas. A decisão foi tomada em uma ação do PDT contra dispositivo da lei que antecipou o momento em que políticos devem ficar inelegíveis. Antes da lei, essa punição só começava a valer após o esgotamento de todos os recursos contra a sentença nesses crimes. Com a legislação, a punição começou imediatamente após a condenação em segunda instância e alcança todo o período que vai da condenação até oito anos depois do cumprimento da pena. "Admitir que o prazo de inelegibilidade seja definido pelo tempo de tramitação do processo é atribuir à burocracia estatal, aos magistrados ou até mesmo ao próprio réu, o poder de prolongar ou diminuir o prazo de inelegibilidade, o que, evidentemente, contraria a ideia nuclear de Estado de Direito", afirmou ao STF a advogada Ezikelly Barros, autora da ação do PDT.