O Estado de São Paulo, n. 46447, 17/12/2020. Política, p. A4

 

Derrota no Senado expõe pressão por saída de Araújo

Felipe Frazão

Jussara Soares

17/12/2020

 

 

  
Poderes. Rejeição de indicação do embaixador Fabio Marzano mostra senadores alinhados a integrantes da ala militar do governo e do agronegócio, que pedem substituição de ministro

Berlinda. Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo: braço direito teve o nome rejeitado no Senado para vaga na ONU

A pressão para que o presidente Jair Bolsonaro substitua o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e adote uma política externa menos ideológica aumentou anteontem, quando o Senado rejeitou a indicação do embaixador Fabio Mendes Marzano para o cargo de delegado permanente do Brasil nas Nações Unidas em Genebra, na Suíça. Com o revés, senadores se juntam a integrantes da ala militar e representantes do agronegócio, que apontam o estilo ideológico do chanceler como um entrave para o avanço em acordos internacionais, além de uma ameaça ao comércio exterior.

O placar que derrubou o embaixador (37 votos contra e 9 a favor) surpreendeu o Itamaraty e integrantes do governo. No total, 47 senadores participaram da votação, mas um se absteve. No plenário, Marzano recebeu menos votos do que os 13 conquistados após sabatina na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional.

A mudança ocorreu após o senador Major Olímpio (PSL-SP) conclamar seus colegas a mandar o chanceler "para o inferno". "Peço aos senadores, em nome da altivez do Senado, que não votem nessa indicação. Se o Senado votar com esse cara – é cara –, estamos negando nossa própria existência, o respeito a cada um de nós. Vamos votar contra, o Senado todo. Que se faça outra indicação no começo do ano. "'Ah, mas eu sou do time do chanceler'. Para o inferno o chanceler!" , bradou Olímpio.

Na véspera, Marzano havia se recusado a responder a uma pergunta da senadora Kátia Abreu (Progressistas-TO), durante sua sabatina, passo prévio para a votação em plenário. Ex-ministra da Agricultura, Kátia queria ouvir as impressões do embaixador sobre a tese corrente entre diplomatas e ruralistas de que o desmatamento na Amazônia é usado como pretexto pelo agronegócio estrangeiro para barrar o Acordo Mercosul-união Europeia.

Marzano alegou que o tema não era de sua alçada. Kátia protestou. A senadora, que também presidiu a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), disse que o Itamaraty virou uma "casa de terrores", onde os diplomatas não podem mais opinar. Os demais senadores tomaram a negativa como sinal de desprezo aos congressistas.

Em conversas reservadas, auxiliares do presidente Jair Bolsonaro debitaram a derrota na conta do ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, que comanda a articulação política do Planalto com o Congresso e teria feito corpo mole. O vice-presidente Hamilton Mourão, o ministro da Casa Civil, Walter Braga Neto, e o secretário de Assuntos Estratégicos, Flávio Rocha, também seriam responsáveis pela fritura de Araújo. Todos são militares.

Diplomatas avaliaram que a expressiva votação contra Marzano, secretário de Assuntos de Soberania Nacional e Cidadania, não foi só uma retaliação deliberada a Araújo como um recado a Bolsonaro de que o chanceler precisa ser substituído.

Além de ter seu indicado barrado, Araújo viu outro aliado sob desgaste: o embaixador em Washington, Nestor Forster. O Estadão revelou que Forster municiou Bolsonaro com análises e notícias falsas que questionavam a lisura da eleição nos EUA, vencida por Joe Biden. Telegramas obtidos pelo jornal por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) mostram a atuação de Foster na missão de orientar o governo, demonstrando sintonia com o discurso de fraude entoado pelo presidente americano, Donald Trump.

Atualmente, dois grupos fazem lobby pela demissão de Araújo: o agronegócio e os militares. Ambos, por sinal, pilares da eleição de Bolsonaro. A seu favor, o chanceler conta o apoio da ala ideológica do governo, da militância virtual e do deputado Eduardo, filho '03' do presidente.

Na avaliação de diplomatas ouvidos pelo Estadão, Marzano chegou ao Senado "marcado". O posto de delegado permanente em Genebra trata de temas sensíveis na agenda bolsonarista, como direitos humanos, direitos da mulher e indígenas, entre outros. É uma pauta que perdeu prestígio e se alinhou a países não democráticos.

"O recado foi dado ao Bolsonaro de que eles (senadores) não estão gostando e querem colocar o Ernesto contra a parede. Há uma conjuntura favorável para acertarem o Ernesto, como os telegramas do Nestor sobre a eleição americana. Estão insatisfeitos com as topadas na China. Foi mais um prego naquilo que querem que se torne o caixão do Ernesto", disse a embaixadora Maria Celina de Azevedo Rodrigues, presidente da Associação dos Diplomatas Brasileiros.

  'Página virada'. Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, o senador Nelsinho Trad (PSD/MS), atribuiu o resultado da votação a um erro coletivo. "Um avião não cai sozinho por um razão só. Nessa situação houve vários erros cometidos tanto pelo presidente da comissão, tanto por quem fez a pergunta, tanto por quem respondeu", disse Trad ao Estadão. "Agora é página virada. É aguardar e mandar outra indicação em outro momento", completou.

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Para ex-chanceleres, veto à indicação é 'recado político'

Bianca Gomes

17/12/2020

 

 

Ex-ministros avaliam que rejeição de embaixador no Senado é resposta à diretriz externa do governo Bolsonaro

 A rejeição à indicação do embaixador Fabio Mendes Marzano para ocupar a posição de delegado permanente do Brasil nas Nações Unidas, em Genebra, é um claro "recado político" do Senado à diretriz externa do governo de Jair Bolsonaro, de acordo com ex-chanceleres do País.

"É uma derrota muito expressiva, um sinal político inequívoco", disse Celso Lafer, ex-ministro das Relações Exteriores nos governos Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso. A declaração foi dada em debate ao vivo promovido ontem pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais.

Ex-ministro das Relações Exteriores de Michel Temer, Aloysio Nunes afirmou que o "silêncio absoluto" de parlamentares governistas no plenário do Senado reflete o "desprestígio" do Itamaraty. "Ninguém levantou a voz para defender (o embaixador). Silêncio absoluto. Eu acho que isso indica um recado político. É uma indicação do humor político do Senado em relação à política externa brasileira."

EUA. Para os ex-representantes das Relações Exteriores, a vitória de Joe Biden, nos Estados Unidos, deixa o Brasil ainda mais isolado no cenário internacional. Mas o projeto de reeleição do presidente Jair Bolsonaro, em 2022, pode mudar esse cenário. "Falou-se da ideia de convidar o Michel Temer para ministro (das relações exteriores)", disse o embaixador Rubens Ricupero. "Talvez isso indique que o presidente estaria, pelo menos em princípio, disposto a usar o Itamaraty como uma moeda a mais no cálculo da sucessão."

O ex-chanceler Celso Amorim disse que Bolsonaro estará dividido entre buscar uma acomodação com o novo governo americano ou se manter fiel ao apoio da extrema-direita. Se escolher a segunda opção, disse ele, terá atritos com os EUA. "E isso terá reflexo na elite econômica brasileira e, portanto, impacto também na reeleição."