Título: Irã estreita os laços com os países da América Latina
Autor: Gombata, Marsílea
Fonte: Jornal do Brasil, 27/12/2008, Internacional, p. A33

Confronto ideológico com os EUA é reforçado enquanto se faz comércio

Marsílea Gombata

No processo em que os EUA deixam de ser uma potência hegemônica e abrem alas para o que sempre foi visto como seu quintal, os laços entre Irã e América Latina se intensificam. Avançando nas costumeiras relações econômicas com a Venezuela (na criação da Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e Argentina (na compra de produtos agrícolas), o que é novo na política de Teerã para os países daqui é a nova atenção dada à América Latina como uma região e não apenas países isolados.

Desde a chegada do líder Mahmoud Ahmadinejad à Presidência, em 2005, as relações entre Irã e América Latina, especialmente com Venezuela, Nicarágua, Equador e Bolívia, intensificaram-se notavelmente. Tanto o presidente iraniano quanto o ministro das Relações Exteriores Manouchehr Mottaki têm viajado em ocasiões diversas à região ou recebido líderes latino-americanos. Nas reuniões, marcadas por afinidade e projetos bilaterais, a lógica do "inimigo do meu inimigo é meu amigo" serve como pano de fundo para a aproximação.

¿ Por meios diversificados, as relações entre Irã e a região latino-americana estão aumentando ¿ observa Tom Barry, analista do Programa das Américas do Centro para Política Internacional, em Washington. ¿ Liderada pela Venezuela e Cuba, um número crescente de países olha para o Irã para reforçar a confrontação ideológica com os EUA, ao mesmo tempo em que constroem laços comerciais ou de investimento. Em período de baixa econômica, países menos ideológicos como Brasil também tendem a incrementar os laços econômicos com o Irã, que busca uma influência política e econômica permanente no hemisfério.

A rota bolivariana aberta pelo presidente venezuelano, Hugo Chávez, propiciou que Teerã, em dois anos, apoiasse os programas de saúde da Bolívia, oferecendo-se a desenvolver a indústria farmacêutica do país, ou, ainda, se comprometesse a financiar a construção de 10 mil casas na Nicarágua. Em julho do ano passado, por exemplo, acordou com Caracas o investimento de US$ 4 milhões na faixa petrolífera do Rio Orinoco, no sul da Venezuela. E não apenas o círculo bolivariano tem se mostrado interessado em reforçar os laços com o Irã. O chanceler brasileiro Celso Amorim convidou seu homólogo para visitar o Brasil.

¿ Uma nova circunstância na América Latina, marcada por governos mais de esquerda, tem dado ao Irã a oportunidade de atingir seu propósito de não ficar isolado ¿ observa Farideh Farhi, especialista em Irã da Universidade do Havaí, em Manoa. ¿ As relações são reflexos do desejo iraniano de encontrar aliados que também buscam ser players econômicos.

As atuais alianças políticas diferem das isoladas, como com a Argentina ¿ antes do ataque terrorista à Associação Mutual Israelita Argentina, em 1994 ¿ e têm se desenvolvido consistentemente com outros países como o Brasil. Hoje, somos o maior parceiro econômico do Irã na América Latina, numa dinâmica marcada pela absorção de 28,7% das nossas exportações à região em 2007. O Irã é o maior mercado brasileiro no Oriente Médio.

Em recente visita ao país do Oriente Médio, o presidente equatoriano, Rafael Correa, conseguiu a concessão de um crédito de US$ 120 milhões. Teerã haveria se comprometido também em colocar radares iranianos na fronteira do Equador com a Colômbia. A perspectiva, acredita Farideh, é que ajuda e investimentos iranianos tenham uma extensão significante junto a esses países menores da América do Sul.

- Os EUA continuam considerando a região latino-americana como seu quintal. Setores que representam as políticas americanas buscam difundir o perigo das relações do Irã com os países da América do Sul ¿ observa o especialista em geopolítica sul-americana Carlos Pereyra Mele, de Córdoba, na Argentina.