Valor Econômico, n. 5206, v.21, 12/03/2021. Política, p.A14

 

 

 

Decisão que anulou sentenças contra Lula favorece Emílio Odebrecht

 

Decisão sobre incompetência de foro de Curitiba para julgar processos da Lava-Jato sem conexão com a Petrobras beneficia pelo menos seis condenados

Por Bárbara Pombo — De São Paulo

 

 

A decisão do ministro Edson Fachin de retirar quatro ações penais contra o ex-presidente Lula da 13ª Vara Federal de Curitiba tem repercussões maiores para o futuro da Lava-Jato do que a suspeição do ex-juiz Sergio Moro, em análise pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).

 

Ainda assim, especialistas ouvidos pelo Valor afirmam que o entendimento do relator da Lava-Jato no STF não tem potencial de esvaziar os resultados da operação, que resultou na condenação de 174 pessoas apenas na Justiça Federal do Paraná. “A Lava-Jato está incólume. A operação não foi completamente atingida por essa decisão”, afirma o ministro aposentado do STF, Carlos Velloso.

 

Segundo advogados, réus que foram condenados nos casos do sítio de Atibaia, do tríplex do Guarujá, da sede e das doações Instituto Lula tendem a ser beneficiados automaticamente pela decisão de Edson Fachin, caso ela seja confirmada pela 2ª Turma ou pelo plenário do STF. “A declaração de incompetência tem natureza objetiva e atinge o processo como um todo”, afirma o advogado Alberto Zacarias Toron, que representa Fernando Bittar, apontado como proprietário do sítio de Atibaia.

Lula, Bittar, Emilio Odebrecht, Léo Bittar e outras seis pessoas foram condenadas no caso do sítio. Confirmada a decisão de Fachin, as acusações contra esses réus também devem ser retiradas de Curitiba.

 

Caso diferente é de réus condenados em outras ações penais e cujos fatos ilícitos não tenham relação direta com a Petrobras. A decisão de Fachin pode ser utilizada por eles como argumentação para terem seus processos analisados em outros Estados e, assim, esvaziar os trabalhos da 13ª Vara Federal de Curitiba.

 

“O efeito não é automático, mas é possível utilizar a decisão para pedir o deslocamento da competência. Não precisa esperar confirmar [a decisão monocrática de Fachin] na 2ª Turma ou pelo plenário”, explica o advogado criminalista Pierpaolo Cruz Bottini, que defendeu réus na Lava-Jato.

 

De acordo com advogados, pessoas acusadas pelo Ministério Público do Paraná por crimes sem ligação direta com a estatal já levantaram a tese da incompetência como argumento de defesa. “Réus nessa situação com habeas corpus pendente serão beneficiados”, afirma o advogado criminalista Davi Tangerino.

 

A tese da incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba não foi inaugurada por Fachin na decisão que beneficiou o ex-presidente Lula. Desde 2017, o STF afirma que a Vara Federal de Curitiba só pode julgar crimes cometidos direta e exclusivamente contra a Petrobras.

 

A Corte já havia determinado, por exemplo, que apurações de atos ilícitos na refinaria Abreu e Lima e na Transpetro fossem remetidas para julgamento em Recife e Brasília, respectivamente.

 

A novidade é que Fachin, antes vencido nessa tese, se rendeu à posição da maioria dos ministros do STF. Agora, é unânime na Corte o entendimento de que a 13ª Vara Federal de Curitiba deve julgar apenas denúncias relacionadas com a Petrobras.

 

Ambos previstos na legislação brasileira, as exceções de incompetência e suspeição são garantias do cumprimento de devido processo legal, ou seja, o direito de qualquer acusado ser julgado no local competente e por um magistrado imparcial. Mas possuem efeitos diferentes.

 

A declaração de incompetência é voltada contra o lugar onde ocorreu o julgamento - no caso, a 13ª Vara Federal de Curitiba -, atinge processos como um todo, e não réus em específico. Além disso, gera a anulação de decisões, mas as provas produzidas são conservadas. Ou seja, uma vez redistribuído o caso para outro Estado, o juízo poderá aproveitar as provas feitas e produzir novas.

 

A declaração de suspeição de Moro, por outro lado, terá pouca valia para outros réus porque, se confirmada pela 2ª Turma com o voto de desempate do ministro Nunes Marques, beneficiará somente Lula e em apenas uma das quatro ações penais em que ele figura como réu, a do triplex do Guarujá.

 

Isso porque, na suspeição, se reconhece um vício, a parcialidade do juiz em relação ao réu ou no desenrolar do julgamento. O reconhecimento da suspeição, porém, tem o efeito de anular decisões e provas produzidas, como depoimentos.

 

“O juiz suspeito contamina qualquer ato, os decisórios e qualquer prova. Começa tudo do zero”, explica Botelho.

 

No voto proferido na terça-feira, o ministro Gilmar Mendes determinou a anulação, inclusive, de provas pré-processuais o que, para criminalistas, poderia envolver acordos de delação homologados por Sergio Moro que serviram de base para a denúncia contra Lula no caso do triplex do Guarujá.

 

 

 

________________________________________________________________________________________________________________________

 

 

Leniências não devem ser afetadas

 

De acordo com especialistas, a homologação judicial não é prevista em lei como condição de validade do acordo

Por Bárbara Pombo — De São Paulo

 

 

Os acordos de leniência firmados por empresas investigadas na Lava Jato com órgãos de controle para cessar esquemas de corrupção não devem sofrer qualquer impacto com a declaração de incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba ou de suspeição do ex-juiz Sergio Moro. “Nada mudará”, afirma Carlos Ari Sundfeld, professor titular da FGV Direito SP e presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP).

 

Odebrecht e Andrade Gutierrez foram duas das empreiteiras que tiveram acordos bilionários celebrados com o Ministério Público Federal do Paraná e homologados por Moro, então titular da 13ª Vara Federal de Curitiba. Ao todo, o MPF-PR celebrou 16 acordos de leniência, que somam cerca de R$ 12 bilhões. De acordo com especialistas, porém, a homologação judicial não é prevista em lei como condição de validade do acordo. O ato de homologação foi uma criação jurídica para dar mais segurança às empresas como uma garantia de que não seriam acionadas judicialmente pelos mesmos fatos.

 

“Além disso, as empresas não têm interesse em rever esses acordos porque poderiam se expor a processos que em que correm mais riscos”, explica Sundfeld.

 

O advogado criminalista Davi Tangerino aponta outros dois motivos para os acordos continuarem de pé. Segundo ele, o ato de homologação possui baixo caráter decisório do Poder Judiciário porque quem firma o acordo com as empresas são os órgãos de controle, como o MPF e a Controladoria-Geral da União (CGU). Além disso, ele aponta que deve prevalecer a lealdade e boa-fé. “A empresa aceitou o acordo voluntariamente com o juízo que julgava competente”.