Valor Econômico, n.5218, 30/03/2021. Política, p.A10

 

Bolsonaro pode ter que responder por sanção do Orçamento de 2021

Murillo Camarotto

30/03/2021

 

 

Para secretaria do TCU, eventual sanção poderá caracterizar crime e resultar na reprovação das contas presidenciais

É aguardado para esta semana um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) que pode complicar ainda mais a situação do presidente Jair Bolsonaro. A Secretaria de Macroavaliação Governamental (Semag) está em vias de sugerir a responsabilização do presidente caso ele sancione o Orçamento de 2021, aprovado pelo Congresso Nacional na semana passada.

O texto comprimiu despesas obrigatórias para acomodar as emendas parlamentares, que foram elevadas para R$ 46 bilhões. Integrantes da equipe econômica alegam que os cortes nas despesas poderão inviabilizar o funcionamento do governo.

 

 

Há no tribunal uma expectativa de que a Semag irá elevar o tom das cobranças e deixar claro que uma eventual sanção poderá caracterizar crime e resultar na reprovação das contas presidenciais. O relatório será encaminhado para análise do ministro Bruno Dantas, que levará o caso ao plenário.

 A Semag é a mesma secretaria que, em 2015, recomendou a rejeição das contas da presidente Dilma Rousseff, no episódio das “pedaladas fiscais”. A contabilidade criativa foi o argumento jurídico que sustentou o impeachment da petista, em agosto de 2016.

O relatório poderá pedir esclarecimentos apenas para o Ministério da Economia, a fim de que a pasta recomende ao presidente o veto do Orçamento aprovado pelo Congresso. É maior, contudo, a possibilidade de que o documento também aponte indícios de irregularidades e solicite a manifestação da Casa Civil, o que deixará Bolsonaro mais exposto.

Juridicamente, a sanção do Orçamento é considerada um ato de gestão, visto que os gastos começam a ser executados imediatamente após o aval presidencial. Se uma lei é aprovada e sancionada com base em previsões fraudulentas de despesa, pode-se incorrer em crime.

Acontece que os parlamentares, ao menos em tese, podem gozar da imunidade material, que os isentaria de qualquer punição pelos votos que aprovaram o Orçamento. O presidente da República, alertam os técnicos, não dispõe do mesmo benefício.

Se vetar o Orçamento, Bolsonaro ampliará imensamente a crise com o Congresso, que em menos de duas semanas já conseguiu derrubar os ministros da Saúde e das Relações Exteriores. Se sancionar a peça, poderá ter as contas rejeitadas e ser acusado de crime de responsabilidade.

Nos corredores do TCU, muitos atribuem ao ministro Paulo Guedes a culpa pela encruzilhada em que o presidente se meteu. Isso porque a situação poderia ter sido evitada caso o ministro tivesse aceitado a ideia de tirar o Bolsa Família do teto de gastos, o que não aconteceu.

“Com o benefício fora, a repercussão seria negativa no mercado, mas não estaríamos discutindo a prática de ilegalidades”, alertou uma pessoa que acompanha o processo de perto. “O Congresso aprovou o Orçamento com base em estimativas irreais do governo, que agora terá que arcar com as consequências”, completou a mesma fonte.