Valor Econômico, n.5218, 30/03/2021. Brasil, p.A2

 

EUA pedem plano “ambicioso” para a Amazônia

Daniela Chiaretti

30/03/2021

 

 

Expectativa é ter uma proposta sobre a mesa na Cúpula de Líderes sobre o Clima que Biden organiza em 22 de abril

O governo americano quer ver resultados este ano no combate ao desmatamento ilegal na Amazônia e também um plano “ambicioso, concreto e real” do governo de Jair Bolsonaro. A expectativa é ter uma proposta sobre a mesa na Cúpula de Líderes sobre o Clima que o presidente Joe Biden organiza em 22 de abril.

O evento será virtual e 40 líderes foram convidados, como Bolsonaro. Biden quer impulsionar o financiamento público e privado para acelerar a transição das economias para a emissão líquida zero de carbono e ajudar os países mais vulneráveis a lidar com os impactos. Também quer conseguir compromissos ambiciosos de cortes de emissões das maiores economias globais.

As mudanças no funcionamento de instituições brasileiras e de políticas ambientais durante a gestão Bolsonaro “preocupa” o governo Biden, segundo o funcionário do Departamento de Estado.

O governo dos EUA reforça que a maneira como o Brasil pretende gerenciar a agenda do desmatamento é ponto central na negociação com os EUA. Considera que há muitas modalidades possíveis com diversos atores como governos subnacionais e comunidades indígenas, além do setor privado. Soluções tecnológicas podem estar na cesta.

A mensagem dos EUA ao plano que querem ver do Brasil no combate ao desmatamento ilegal até 2030 é forte: “Queremos ver clareza”. O integrante do Departamento de Estado disse que o governo Biden quer um sinal político claro do Brasil contra o desmatamento ilegal. “E este ano, não em cinco ou dez anos”. É a mesma mensagem que governos europeus têm repetido.

Os EUA acompanham a evolução do desmatamento da Amazônia no país e sabem que os dados mais recentes, de queda, se devem em boa parte às intensas chuvas na região neste ano.

Os EUA não consideram sanções ao Brasil neste estágio das negociações - mas elas podem ocorrer no futuro. Sobre o fundo de US$ 20 bilhões que o presidente Biden prometeu mobilizar durante a campanha eleitoral, os recursos devem ser públicos e privados e de vários países desenvolvidos. O Brasil não é alvo exclusivo do pacote de financiamento climático. 

Os americanos procuram demonstrar que querem avançar com a agenda em casa, com leis climáticas domésticas, além de conseguir resultados no exterior. No caso brasileiro, a gestão Biden sempre faz questão de reconhecer a soberania brasileira na Amazônia e a relação de parceria entre os dois países. A agenda do desmatamento é de longo prazo, reforçou a fonte do governo.

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Registro ilegal aumenta e leva fogo e desmatamento para terrar indígenas

Daniela Chiaretti

30/03/2021

 

 

Estudo do Ipam examina a ocupação irregular

 Em 2020, 3% das terras indígenas na Amazônia concentraram 70% do desmatamento e 50% do fogo na região. Isto ocorreu em atividades ilegais promovidas por agentes externos. A área registrada irregularmente como propriedade particular dentro de territórios indígenas em diferentes estágios de reconhecimento aumentou 55% entre 2016 e 2020.

Estes são alguns dos destaques de uma nota técnica que pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) divulgam hoje.

O estudo examina a ocupação irregular de terras indígenas em diferentes graus de reconhecimento - da fase de estudos a terras homologadas e regularizadas. A análise se baseia na sobreposição de registros de Cadastro Ambiental Rural (CAR) sobre territórios tradicionais na Amazônia.

O CAR é um instrumento do Código Florestal para que produtores rurais indiquem seus ativos e passivos ambientais. Mas quando sobreposto a terras públicas ainda sem destinação, a unidades de conservação e a terras indígenas são indicativo de grilagem de terras e de mineração ilegal, além de focos de desmatamento e de calor.

“O que chama a atenção é que a incidência de atividades ilegais dentro de terras indígenas tem impacto não apenas por si mesma - o garimpo contamina a água dos rios, por exemplo-, mas potencializa o desmatamento e os focos de calor nas terras indígenas”, diz Martha Fellows, pesquisadora do Ipam e uma das autoras do estudo.

A pesquisadora também chama a atenção para as ameaças vividas pelos povos isolados. A Amazônia é a maior área do mundo com presença de índios isolados, que escolhem viver em isolamento total ou sem contato significativo. A Fundação Nacional do Índio (Funai) reconhece mais de cem povos isolados.

“Vivemos um momento em que os direitos fundamentais, garantidos pela Constituição, estão sendo violados de maneira cruel, intensa e aberta”, diz Martha. “Direitos que foram duramente conquistados estão sendo fragmentados e enfraquecidos.”

Um dos destaques da nota técnica mostra que o percentual de derrubada de floresta em áreas com CAR dentro das terras indígenas atingiu um pico em 2019, respondendo a 41% de tudo o que foi desmatado nestes territórios.

O CAR é um instrumento ligado a propriedade privada, o que é irregular em terras indígenas, que são de propriedade da União e usufruto dos índios. O estudo do Ipam mostra que focos de calor em áreas com CAR dentro de terras indígenas aumentaram 105% entre 2016 e 2020. Fora de áreas com CAR, o aumento foi de 33%.

“As terras indígenas estão entre as categorias fundiárias com menos desmatamento e fogo na Amazônia”, diz a nota técnica. O texto rebate a acusação do presidente Jair Bolsonaro de que eram os índios os responsáveis por incêndios florestais nos últimos anos na Amazônia.

O estudo busca entender como atividades ilegais afetam a vida dos povos indígenas que vivem nos territórios tradicionais na Amazônia. A fonte do CAR foi a base de dados do governo concentrada no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), na página do Serviço Florestal Brasileiro (SFB).

Das 330 terras indígenas (TIs) analisadas, apenas dez delas, ou 3% do total, concentraram 70|% do desmatamento e 51% do fogo em 2020. As TIs com índices mais altos de derrubada estão no arco do desmatamento - que vai de Rondônia, passa por Mato Grosso e sobe pelo centro-oeste do Pará.

“Vários vetores podem explicar a distribuição do desmatamento e do fogo nas TIs da Amazônia. Alguns indicam a pressão sobre as terras indígenas, com ocupação ilegal e grilagem”, diz a nota. O CAR é um cadastro autodeclaratório de imóveis rurais. Segundo os pesquisadores “representa um importante indicador de pressão”.

Entre 2016 e 2020, a área registrada irregularmente dentro das TIs aumentou 55%. Antes havia 2,3 milhões de hectares declarados como propriedade particular nas terras indígenas e em cinco anos essa área pulou para 3,57 milhões de hectares. Imóveis grandes, com mais de 1.000 hectares, eram 7,11% dos cadastros. Juntos representaram 88% da sobreposição de CAR com TIs -ou 3,15 milhões de hectares. É uma área maior que a de Sergipe.