Valor Econômico, n.5217, 29/03/2021. Política, p.A10

 

Acuado, Araújo alega que pressão por demissão é por causa de 5G e não covid

Matheus Schuch

Marcelo Ribeiro

29/03/2021

 

 

Reação entre os parlamentares foi imediata, inclsuive com pedidos de demissão

Cada dia mais desgastado no cargo, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, foi às redes sociais ontem afirmar que a pressão para que ele seja demitido não passa pela vacinação contra covid-19, e sim por lobby em relação à disputa em torno da tecnologia 5G. Araújo sugeriu que a presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Kátia Abreu (PP-TO), pressionou-o sobre o assunto. A reação entre os parlamentares, inclusive com pedidos de demissão, foi imediata.

Um dos expoentes da ala ideológica do governo, Araújo travou embates diplomáticos com a China desde que assumiu o cargo, o que tem sido apontado como um dos motivos do atraso do Brasil na aquisição de vacinas.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que tem cobrado mudança de postura do governo no tema, disse que a declaração de Araújo atinge todo o Senado: “Essa constante desagregação é um grande desserviço ao país”, escreveu.

Diante das cobranças, o chanceler insinuou que a vacinação seria apenas um pretexto para o lobby de parlamentares sobre o futuro leilão do 5G.

“Em 4/3 recebi a senadora Kátia Abreu para almoçar no MRE. Conversa cortês. Pouco ou nada falou de vacinas. No final, à mesa, disse: ‘Ministro, se o senhor fizer um gesto em relação ao 5G, será o rei do Senado’. Não fiz gesto algum”, escreveu Araújo.

A senadora argumentou que o objetivo da postagem foi “tirar o foco” das vacinas e defendeu que a mensagem comprova que o chanceler não está à altura do cargo.

“Se um chanceler age dessa forma marginal com a presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado da República de seu próprio país, com explícita compulsão belicosa, isso prova definitivamente que ele está à margem de qualquer possibilidade de liderar a diplomacia brasileira. Temos de livrar a diplomacia do Brasil de seu desvio marginal”, bradou.

A mensagem de Araújo extravasou divergências que há meses marcam sua relação com a cúpula do Congresso. Uma sabatina à qual o ministro foi submetido, na semana passada, terminou em polêmica, com uma investigação aberta para apurar a possível adoção de gesto atribuído a grupos que defendem a supremacia branca pelo assessor Filipe Martins, ligado a Araújo.

Após o ataque do chanceler, Kátia Abreu recebeu manifestações imediatas de apoio, incluindo o presidente do PP e um dos líderes do Centrão, Ciro Nogueira (PI).

Embora o presidente Jair Bolsonaro tenha assegurado Araújo no cargo em conversas reservadas nos últimos dias, a avaliação entre líderes influentes ouvidos pelo Valor é de que a manifestação do chanceler enterrou de vez a possibilidade de ele prosseguir no cargo. A mensagem, aliás, seria mais um aceno à ala ideológica, em tom de despedida.

“Não adianta o Bolsonaro achar que a pressão é no calor do momento. A insatisfação com Ernesto vem de muito tempo e chegou em um ponto insustentável. Também não adianta ele querer buscar uma saída honrosa para o ministro. Se depender da aprovação do Senado, ele não vai a lugar algum”, citou um parlamentar.

Também prevalece a percepção de que o ministro não teria se posicionado sem antes consultar aliados e que o ato foi avalizado por nomes muito próximos do presidente.

Bolsonaro tem discutido possíveis substitutos para o Itamaraty e na tarde de ontem, logo após a manifestação de Araújo, teve um encontro reservado com o ministro da Casa Civil, general Braga Netto, um de seus principais conselheiros. Entre os nomes lembrados por interlocutores do presidente estão o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), o embaixador do Brasil em Washington, Nestor Forster, e o almirante Flávio Rocha, hoje na Secretaria de Comunicação Social da Presidência.

Para o futuro de Araújo uma saída estudada no governo é indicá-lo como embaixador na delegação junto às organizações econômicas em Paris - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e Agência Internacional de Energia (AIE), cargo que não exige aval dos congressistas.