Valor Econômico, n.5216, 26/03/2021. Brasil, p.A8

 

Contrato de Fiocruz e AstraZeneca atrasa

Gabriel Vasconcelos

26/03/2021

 

 

Diretor, porém, diz que ainda não há risco para o cronograma de entrega, até o fim de 2021, de 110 milhões de doses

A assinatura do contrato de transferência tecnológica para a produção do ingrediente farmacêutico ativo (IFA) da vacina de Oxford/AstraZeneca no Brasil ficou para abril. A Fiocruz contava ter o documento assinado até o fim deste mês. Mas, segundo o diretor da fábrica de vacinas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Maurício Zuma, pontos como a definição dos royalties a serem pagos ao laboratório anglo-sueco e adaptações à legislação brasileira ainda travam o desfecho do negócio.

Mesmo assim, Zuma garantiu ao Valor que ainda não há risco para o cronograma de entrega, até o fim de 2021, das 110 milhões de doses integralmente brasileiras. Atrasos só devem acontecer se as negociações não avançarem no próximo mês. “Para março não vai ser [assinado]. A gente tinha essa expectativa, mas o contrato é complexo. Temos pressionado bastante para que saia em abril e, se não sair, aí sim a gente vai ter dificuldade, vamos atrasar o processo.”

A produção nacional de IFA é encarada pelo governo federal e especialistas como condição para a regularidade da vacinação contra covid-19 no médio e longo prazos. Até lá, o país vai depender da importação do insumo ou de vacinas prontas, sobretudo de China e Índia, transações com histórico de atrasos e bloqueios.

Na prática, a assinatura do contrato de transferência tecnológica é a condição para a que a AstraZeneca envie ao Brasil os bancos de células e vírus geneticamente modificados - adenovírus de chimpanzé com gene da proteína do coronavírus - que serão multiplicados e purificados pela Fiocruz para servir de base a grandes quantidades da vacina.

“Ha alguns pontos que, obviamente, eles não vão passar sem o contrato assinado. O mais sensível são os bancos de células e vírus, sem os quais não conseguimos começar a produção. Esse é o coração do processo, a “jóia da coroa", diz Zuma. “Todo lote produzido começa com uma ampolinha desse banco, que é levada para a área de produção, onde é multiplicada. Isso é cultivado na bancada até uma determinada quantidade e depois passa a bioreatores, onde alcançam escala industrial. Os bancos são um estoque de pouca quantidade de células e vírus desenvolvidos pela AstraZeneca. E, para liberar isso, precisamos ter todas as cláusulas acordadas", continua.

Ainda assim, ele minimiza a demora nas negociações do contrato porque todos os equipamentos para a produção do IFA nacional já foram comprados e estão em fase final de montagem e qualificação. “A AstraZeneca se dispôs a antecipar a infraestrutura mesmo sem contrato, devido à pandemia. Essa etapa da infraestrutura é importante. É o que nos permite dizer que a vacina com IFA produzido aqui vem ainda neste ano.”

Esse contrato prevê apenas pagamento de royalties e serviços de assistência técnica da AstraZeneca à Fiocruz. O contrato inicial da encomenda tecnológica - assinado no ano passado para garantir a importação de IFA e eventuais lotes de vacinas prontas - incluia pagamento de R$ 1,354 bilhão ao laboratório estrangeiro, que já foi realizado. A verba total para vacina contra covid-19 repassada à Fiocruz foi de R$ 1,994 bilhão, dos quais pouco mais de R$ 100 milhões foram utilizados em compra de equipamentos para as linhas de produção e R$ 540 milhões têm servido ao custeio da operação.

O diretor da chamada Bio-Manguinhos, na zona norte do Rio, afirma que a unidade tem visita técnica da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) marcada para a última semana de abril para verificação de boas práticas.

Se aprovada, a Fiocruz vai começar a produzir vacinas com IFA nacional já em maio. Segundo Zuma, essas doses ficarão armazenadas até uma data “entre setembro e outubro”. É quando a Fiocruz prevê obter o registro de novo local de fabricação para a vacina na Avisa. O documento é anexado à autorização da vacina e permite que as doses sejam entregues ao Ministério da Saúde para distribuição. A Fiocruz terá, portanto, sete meses para produzir e de três a quatro meses para realizar as entregas das 110 milhões de doses prometidas.

O mais demorado é a obtenção de todas as aprovações junto à Anvisa para a nova fábrica e os lotes iniciais. Mas parte dos parâmetros exigidos pela legislação, diz Zuma, será entregue à Anvisa com a vacina já nas ruas. “Nada me impede de comparar um lote meu com outro de IFA produzido fora do país, mostrando que os insumos seguem o mesmo processo de produção”, argumenta. Isso, acrescenta, não seria possível em condições normais, mas a Anvisa tem adotado alternativas regulatórias para adiantar o processo.