Valor Econômico, n.5215, 25/03/2021. Brasil, p.A8

 

Senadores cobram demissão imediata de chanceler

Daniel Rittner

Murillo Camarotto

25/03/2021

 

Gestos de Filipe Martins, assessor da Presidência, deixaram mais tenso ambiente de comissão do Senado

Mais de dez senadores - de diferentes partidos - cobraram duramente o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, pela condução errática da política externa e elevaram a pressão por sua saída imediata do cargo. Em um depoimento de mais de quatro horas, Araújo alternou momentos em que desafiou parlamentares com outros nos quais parecia acuado, gaguejando e com suor escorrendo pela testa.

“Com toda a humildade, faço um apelo: renuncie. O senhor não tem mais condições de continuar à frente do ministério”, pediu o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). “Pode ser um excelente diplomata, mas não é o seu momento. Pelos brasileiros, renuncie a esse ministério.”

Durante toda a audiência, Araújo foi questionado sobre sua postura em episódios como a demora em reconhecer a vitória eleitoral de Joe Biden nas eleições americanas no ano passado, a invasão do Capitólio (na qual chamou manifestantes de “cidadãos de bem”) no início deste ano em Washington, as rusgas públicas com o embaixador da China em Brasília, o uso do termo “comunavírus” e da expressão “pária internacional” para designar a forma como o Brasil deveria ser visto no mundo."

“O senhor realmente cursou o Instituto Rio Branco?”, questionou o senador Fabiano Contarato (Rede-ES). Ele reclamou que faltavam sujeito, verbo e predicado na maioria das respostas de Araújo. “O senhor faria bem ao corpo diplomático brasileiro se deixasse o seu posto.”

Em vários momentos, Araújo questionou as “fontes” que subsidiavam os questionamentos dos senadores e usou um tom desafiador. Em uma ocasião, ironizou: “Deixe eu tentar encontrar alguma pergunta objetiva aqui”.

“Nós não somos 80 idiotas”, retrucou Tasso. A senadora Daniella Ribeiro (PP-PB) queixou-se da “falta de respeito” e apontou confusão do chanceler em suas intervenções. “Não sei se o chanceler não entende ou se faz-se de desentendido. Provavelmente seja assim nas nossas relações exteriores”, disse Daniella. Jorge Kajuru (Cidadania-GO) veio em seguida: “Saia do Ministério das Relações Exteriores!”.

Pela manhã, durante reunião convocada pelo presidente Jair Bolsonaro para a criação de um comitê de crise sobre a pandemia, Araújo ouviu uma reprimenda pública do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O parlamentar cobrou uma atuação mais incisiva da diplomacia brasileira para a busca de vacinas no exterior e chegou a dizer que “o Itamaraty precisa funcionar”.

Segundo autoridades que participaram dessa reunião, o chanceler demonstrou desconforto com as declarações de Lira, mas não respondeu. Saiu antes do término e seguiu para o Congresso, onde ouviu ataques e sugestões de demissão por horas a fio, especialmente no Senado Federal.

“Vossa Excelência é unanimidade em rejeição e incompetência nesta casa”, disse, em tom forte, a senadora Simone Tebet (MDB-MS). "Faço um desafio: peça exoneração por 30 dias. Veja se, com esse gesto, não conseguimos mais rapidamente as vacinas da Pfizer e [o excedente de vacinas] dos Estados Unidos. Com esse gesto, estaríamos nos redimindo perante a China e os americanos”, continuou.

Simone atribuiu ao chanceler uma “guerra ideológica desnecessária” e a “a radicalização ao extremo de irmãos brasileiros que hoje não se sentam à mesma mesa”. “Não é pessoal. O senhor não foi bom para o Brasil. Peça para sair e durma com a consciência tranquila”, completou Mara Gabrilli (PSDB-SP).

O ambiente da sessão no Senado, que já era de cobrança, ficou ainda mais tenso com um episódio no meio do depoimento. O assessor internacional da Presidência da República, Filipe Martins, irritou senadores ao fazer um gesto considerado "obsceno" durante a audiência pública. O gesto com as mãos foi feito durante o discurso do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), num momento em que Filipe Martins aparecia ao fundo da transmissão, na TV Senado.

O líder da oposição na casa, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), chamou atenção para o fato e pediu providências. “Eu estou acompanhando aqui a sessão quando, também pelas redes sociais, tenho conhecimento de que, durante a fala de Vossa Excelência, o senhor que estava localizado logo atrás, o Filipe Martins, que é analista político e assessor especial para Assuntos Internacionais do presidente Jair Bolsonaro, estava demonstrando gestos obscenos. No meu sentir, [foram] gestos obscenos", afirmou Randolfe.

O senador do Amapá sugeriu que Filipe Martins explicasse o movimento com as mãos. “Eu não sei qual o sentido do gesto do senhor Filipe. Era bom que ele explicasse, mas isso é inaceitável, presidente.”

Araújo tentou se defender. “Nós não somos perfeitos, mas estamos convencidos de que estamos defendendo os interesses nacionais. Eu tenho a certeza de que tenho feito tudo, absolutamente tudo, para ajudar o meu país”, disse o ministro, emocionando-se e segurando lágrimas.