Valor Econômico, n.5213, 23/03/2021. Política, p.A7

 

Bolsonaro é convencido a usar máscara

Andrea Jubé

Fabio Murakawa

23/03/2021

 

 

Líderes religiosos e aliados conseguiram compromisso do presidente de que irá vacinar-se

Com o Brasil aproximando-se da marca de 300 mil vítimas da covid-19, num cenário de escassez de vacinas e deterioração econômica, o presidente Jair Bolsonaro finalmente cedeu aos apelos dos aliados do Congresso e de lideranças evangélicas para usar máscara nas aparições públicas, evitar agendas que gerem aglomerações, e ainda se comprometeu a vacinar-se em público quando chegar sua vez.

Também diante da cobrança pública de mais de 500 empresários e economistas, o presidente flexibilizou ontem a postura em relação às medidas de isolamento social, como o “lockdown”.

“Se ficar em ‘lockdown’ 30 dias e acabar com o vírus, eu topo. Mas sabemos que não vai acabar”, disse Bolsonaro, durante uma solenidade fechada no Planalto.

Foi uma resposta velada à carta aberta, assinada por Pedro Parente, Arminio Fraga, Roberto Setubal, entre outros, que cobrou do governo ritmo mais acelerado da vacinação, incentivo ao uso da máscara, e implementação de medidas de distanciamento social com coordenação nacional.

Um influente líder do Centrão confirmou ao Valor o compromisso de Bolsonaro com os aliados políticos e evangélicos. “Ele atendeu o apelo da gente, e dos pastores que estiveram com ele na segunda-feira passada”, contou o parlamentar.

“Eles [os pastores] fizeram o apelo para que o presidente usasse máscara, passasse a imagem de trabalhar pela vacina, não aglomerar. Ele até se comprometeu a se vacinar quando chegar a vez dele”, acrescentou a fonte.

No domingo, o presidente completou 66 anos, e recebeu os cumprimentos de apoiadores que se aglomeraram na porta do Palácio da Alvorada. Ele apareceu de máscara, tirou o instrumento de proteção para discursar, mas recolocou-o para tirar fotos.

Nesse discurso, Bolsonaro voltou a criticar as medidas de isolamento social, como toque de recolher, adotadas pelos governadores, e reafirmou que as Forças Armadas atuariam para defender a democracia e a liberdade das pessoas.

Bolsonaro costumava dizer, sobre o uso das máscaras, que seria “o último mito a cair” em relação à covid-19.

O compromisso com os pastores foi selado em reunião no Planalto no dia 15 de março. Na ocasião, eles gravaram um vídeo, ao lado do presidente, em que exortam a população a se unir em um jejum nacional pela paz e pela prosperidade no dia 29 de março.

Aparecem no vídeo, ao lado de Bolsonaro (todos usando máscaras): Pastor Silas Malafaia, presidente do Conselho Interdenominacional de Ministros Evangélicos do Brasil (Cimeb), Apóstolo César Augusto, presidente da Igreja Apostólica Fonte da Vida; Pastor Samuel Câmara, presidente da Convenção da Assembleia de Deus no Brasil; Apóstolo Estevam Hernandes, presidente da Igreja Apostólica Renascer em Cristo; Renê Terra Nova, apóstolo do Ministério Internacional da Restauração; Bispo Abner Ferreira.

O aceno ao Congresso sobre o compromisso com a máscara veio antes do encontro com os pastores: no dia 10 de março - Bolsonaro usou a proteção ao lado do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e do presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), na solenidade de sanção da lei que facilita a compra de vacinas contra a covid-19.

Nesse mesmo dia, horas antes, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia discursado como potencial candidato a presidente da República, após a decisão do ministro Edson Fachin do Supremo Tribunal Federal que restabeleceu seus direitos políticos.

Com Lula liberado para concorrer em 2022, o ministro Fábio Faria, das Comunicações, e o secretário de Assuntos Estratégicos, almirante Flávio Rocha, aconselharam o presidente a rever o não uso das máscaras, e a postura negacionista em geral.

Até então, somente neste ano, Bolsonaro havia protagonizado mais de 30 eventos públicos, no palácio, e nos Estados que visitou, sem usar máscara, e promovendo aglomerações.

Há menos de um mês, no dia 24 de fevereiro, um evento no Planalto reuniu 265 prefeitos, a expressiva maioria sem máscara. Os prefeitos também circularam sem máscaras depois no Congresso. Atribui-se a esse evento a contaminação do senador Major Olimpio, que veio a falecer no dia 18 de março.

A perda do senador, muito querido entre seus pares, elevou a pressão do Senado sobre Bolsonaro, onde a oposição pressiona pela instalação da CPI da Pandemia. Pacheco e Alcolumbre têm atuado nos bastidores para tentar evitar que a investigação saia do papel, embora conte com o aval de 32 senadores - inclusive do Major Olimpio.

Auxiliares avaliam que o presidente corria o risco de perder o protagonismo da imunização em massa da população, quando a aplicação de vacinas se acelerar, caso mantivesse sua postura negacionista e anticientífica.

Bolsonaro, que fazia insinuações sobre a eficácia das vacinas e pregava a sua não obrigatoriedade, moderou nas últimas semanas o tom em relação a isso. Passou a dizer que o governo lutou pelas vacinas desde o início da pandemia, embora tenha apostado todas as fichas em um só imunizante e tenha atuado diversas vezes para sabotar a Coronavac, que seu rival político, o governador de São Paulo, João Doria, apadrinhou.

Ontem os eventos no Planalto foram reservados. A solenidade no salão oeste foi discreta, e o evento relativo ao novo Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) foi fechado.

No entanto, o pronunciamento de Bolsonaro neste evento, depois divulgado nas redes sociais, sugeriu que o presidente não mudará de comportamento automaticamente.

“Eu devo mudar meu discurso? Eu devo me tornar mais maleável? Eu devo ceder e fazer igual à grande maioria está fazendo?”, questionou o presidente. “Se me convencerem do contrário, faço. Mas não me convenceram ainda. Devemos lutar contra o vírus, não contra o presidente”, defendeu-se.

Bolsonaro ainda repetiu o discurso de que o combate à pandemia deve levar em conta a defesa do emprego dos brasileiros. “Sempre disse que temos que nos preocupar com vidas, sim, mas também com emprego. Uma pessoa desempregada, ela acaba tendo problemas que podem levar a óbito, depressão e suicídio”.

Ao fim, Bolsonaro lamentou em tom de desconfiança os óbitos das vítimas de covid-19. “Parece que, no mundo todo, só no Brasil está morrendo gente. Lamento o número de mortes, qualquer morte", concluiu.