Valor Econômico, n.5212, 22/03/2021. Política, p.A9

 

Maioria dos prefeitos eleitos deixa pauta ambiental em segundo plano

Daniela Chiaretti

22/03/2021

 

 

Estudo indica que menos de 50% das candidaturas vencedoras em 2020 assumiram compromissos de sustentabilidade

Há uma tendência crescente entre prefeitos eleitos de se preocuparem mais com a pauta da sustentabilidade. Este é um dos resultados de uma análise inédita feita a partir dos programas dos prefeitos eleitos nos 5.570 municípios do país nas últimas três eleições. Mas a boa notícia termina aí. A agenda aparece em menos da metade das candidaturas vencedoras, um indicador de que o tema socioambiental não tem forte compromisso político nas cidades.

Os dados são de pesquisa inédita feita pela Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps), organização criada em 2012 e que apoia a formação de líderes políticos de diferentes partidos e posições no espectro ideológico. A pesquisa foi coordenada pelo cientista político Humberto Dantas, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas e por Joyce Luz, doutoranda em ciência política pela Universidade de São Paulo.

O estudo “O que os programas municipais de governo revelam sobre a agenda da sustentabilidade nas últimas eleições - 2012, 2016 e 2020” indica que temas que se referem à sustentabilidade aparecem pouco em planos para municípios com menos de 100 mil habitantes. Mulheres tendem a abordar desenvolvimento sustentável e preservação ambiental mais do que os homens.

“O estudo surgiu de uma demanda que veio dos próprios políticos. Queriam entender como lidar com sustentabilidade em seus municípios”, diz Mônica Sodré, diretora-executiva da Raps. “Para a Raps, que lida com sustentabilidade e com preparo de candidatos e de eleitos, era uma contribuição relevante a dar.”

 

 

A pesquisa foi feita analisando propostas de governo dos candidatos eleitos em quase todos os municípios -só não foi possível computar casos em que o programa de governo foi escrito à mão ou havia apenas a foto do candidato no lugar do texto, diz Joyce Luz, que coordenou a análise.

 Através de programas de computador foram considerados os números de vezes em que 14 palavras-chave -meio ambiente, desmatamento, desenvolvimento sustentável, democracia, mudança do clima, saneamento básico, energia solar, de biomassa e elétrica, além de sustentabilidade, cidades inteligentes, mobilidade urbana, ciclovias e recursos hídricos- foram citados nos planos de governo dos prefeitos eleitos.

Saneamento básico foi citado em menos de 5% dos planos de prefeitos de cidades pequenas, com até 10 mil habitantes, que representam 44% dos municípios. Mas o termo, junto às palavras democracia e energia elétrica, foi dos mais citados nas propostas de governo. “Saneamento é de responsabilidade do município desde 1988”, registra Joyce Luz.

Mudança climática, o grande desafio do século 21, foi citada com mais frequência por candidatos de espectro político opostos como do Partido Novo e do Psol.

Termos como desmatamento, ambiente, mudança climática, sustentabilidade e desenvolvimento sustentável não aparecem em mais de 60% dos planos de governo. Prefeitas usam mais as palavras do que prefeitos -mas as mulheres foram eleitas para 651 Prefeituras em 2020 (12,1%) enquanto os homens são 4.750 (87,9%).

“Falar de sustentabilidade é falar de direitos básicos da população relacionados a saúde, ambiente, saneamento, mobilidade, energia e desenvolvimento econômico, diz Mônica Sodré. “O estudo indica que ainda estamos longe de ter compromissos sólidos de gestões públicas com estes temas”.