Valor Econômico, n.5211, 19/03/2021. Política, p.A12

 

Gilmar e Lira criticam atuação da Lava-Jato

Marcelo Ribeiro

Raphael Di Cunto

19/03/2021

 

 

Para o ministro do Supremo, o que acontecia em Curitiba durante a Lava-Jato poderia levar a “uma ditadura desenhada por um juiz e alguns promotores”

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), criticaram ontem, em webinar organizado pelo Conjur, a Operação Lava-Jato. Enquanto o magistrado comparou a atuação do ex-juiz Sergio Moro e de procuradores com o Ato Institucional Nº 5 (AI-5), editado em 1968 e responsável por endurecer a ditadura militar no país, o parlamentar do PP falou em “projeto de poder incutido em Curitiba” e condenou o que chamou de excessos do Ministério Público.

Gilmar afirmou que o que acontecia em Curitiba durante a Lava-Jato poderia levar a “uma ditadura desenhada por um juiz e alguns promotores”. “Eles até brincavam dizendo que estavam montando um ministério a partir de métodos que lembram os militares. Por exemplo, deixar alguém preso para que ele delate, ou mandar alguém pra uma prisão determinada, porque lá as condições são péssimas, e ele falará mais rápido. Qualquer semelhança com a ditadura do AI-5 não é mera coincidência”, disse o ministro da Suprema Corte.

Na avaliação do ministro, os diálogos de Moro com procuradores, revelados pelo “hacker” Walter Delgatti Neto, demonstram que há uma crise na justiça criminal. “Em todos os locais em que tivemos esses superjuízes, houve problemas. Agora aparecem burburinhos sobre a 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro. O uso da Receita como cachorro cheirador, de forma ilegal. Tudo isso precisa ser olhado. Passamos por um processo fundamental, grande, radical, de desinstitucionalização”.

O tom crítico também marcou a fala de Lira, que reconheceu que o Congresso teve sua parcela de responsabilidade no engrandecimento exagerado dos procuradores da Lava-Jato ao criar leis com base no clamor popular.

“Eu sei, todos sabem, que as corrupções precisavam ser sanadas e isso aconteceu. Agora, muito mais aconteceu. [Houve] Excessos, invasões, poder absoluto ou um projeto de poder incutido em Curitiba, onde se quebrou sigilo sem autorização, acesso a documentos internacionais sem nenhum tipo de cooperação clara”, disse Lira, acrescentando que a Constituição propiciou aos integrantes do Ministério Público uma autonomia exagerada e muitos poderes.

Ao falar sobre ativismo judicial, o presidente da Câmara defendeu uma regulamentação para estabelecer em que casos cabe a um partido questionar decisões da maioria do Poder Legislativo na Corte. “Nós temos que regulamentar isso no Congresso para acertar com que representatividade um partido político pode entrar com ADIs [ação direta de inconstitucionalidade] no STF. Muitas vezes um partido com um deputado e dois senadores contesta decisão de maioria, de 300, 400 parlamentares no Congresso. Se não tiver um flagrante muito forte, isso é uma distorção do processo legislativo e temos que resolver internamente”.

Quando o assunto virou a crise sanitária, o deputado do PP defendeu que todos os Poderes operem conjuntamente pela adoção de medidas que facilitem o aumento de leitos e de vacinas para evitar “essa agonia e esse vexame internacional”. Ele reconheceu que o país ainda está longe de atingir o número ideal de vacinados e destacou que é o momento de encontrar soluções e não de apontar culpados.

Gilmar aproveitou para rebater as reclamações feitas pelo presidente Jair Bolsonaro em relação à decisão da Corte de colocar nas mãos dos governadores algumas atribuições do combate à pandemia. O magistrado disse ser impróprio o argumento utilizado pelo chefe do Poder Executivo de que o STF o impediu de agir no enfrentamento da crise sanitária. “O Supremo, nesse quadro de confusão, tentou fazer uma construção para dizer que quem tem competência para gerir o sistema hospitalar, tem também competência para decretar ‘lockdown’, para preconizar o isolamento social. Isso levou o presidente da República a falar que o presidente [do STF, Luiz Fux ] o tinha impedido de agir. Mas isso foi impróprio”.