Valor Econômico, n.5211, 19/03/2021. Brasil, p.A4

 

Governadores recorrem a Biden por parceria para proteção ambiental

Daniela Chiaretti

19/03/2021

 

 

Carta discutida para ser enviada a americano quer criar parcerias e formar a “maior economia de descarbonização do planeta”

A coalizão de 21 governadores brasileiros comprometidos com o enfrentamento da crise climática articula uma carta ao presidente americano Joe Biden para estabelecer uma parceria e criar o que chamam de “a maior economia de descarbonização do planeta”.

O movimento do grupo Governadores pelo Clima busca se qualificar para os investimentos de US$ 20 bilhões, em recursos públicos e privados, que o presidente Biden prometeu mobilizar durante a campanha eleitoral para garantir a preservação da Amazônia.

A minuta da carta à qual o Valor teve acesso com exclusividade está circulando entre os governadores à medida que conseguem uma pausa da tragédia da covid-19. Ali estão listados alguns compromissos dos governos subnacionais - redução dos gases de efeito estufa, promoção de energias renováveis, combate ao desmatamento, cumprimento do Código Florestal para a conservação das florestas, melhoria da eficiência na agropecuária, proteção dos povos indígenas e busca de formas para viabilizar “reflorestamentos massivos”.

A intenção é propor um termo de cooperação entre os Estados Unidos e os governos estaduais brasileiros com ações conjuntas.

A carta menciona como meta dar impulso à regeneração ambiental, reduzir as desigualdades, desenvolver cadeias econômicas de menos carbono e a criação de um novo modelo resiliente a pandemias. O texto básico foi construído pelo Centro Brasil no Clima (CBC) com a participação de cientistas como Carlos Nobre e o engenheiro florestal Tasso Azevedo e especialistas de outras oito entidades do Brasil e dos EUA.

Uma das grandes novidades da proposta é que ela não inclui apenas a Amazônia, mas outros biomas com grande estoque de carbono e rica biodiversidade. Menciona o Cerrado, a Mata Atlântica, a Caatinga e o Pantanal.

Cita a expectativa das empresas do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds) de certificar, com a atração de investimentos, 1,5 bilhão de toneladas de CO2 ao ano, 300 vezes mais do que se faz hoje em dia. Isto significaria cerca de US$ 45 bilhões, mais do que o dobro do número que o presidente Biden vem falando.

“Queremos provocar um diálogo com o governo americano, através dos governadores. É importante porque se trata de uma atitude nova”, diz Renato Casagrande, governador do Espírito Santo (PSB). “São os governos subnacionais de um país importante como o Brasil, com muita riqueza de recursos naturais, buscando uma relação com o governo dos Estados Unidos, que se elegeu tendo por meta uma política audaciosa de enfrentamento das mudanças climáticas”, diz ele.

A carta está estruturada em quatro pontos. A criação da “maior economia de descarbonização do mundo” entre EUA e Brasil se fundamenta na maior base florestal da Terra (somando Amazônia, Cerrado, Pantanal, Mata Atlântica e Caatinga) e menciona referências para a regulamentação do artigo 6 do Acordo de Paris a partir de créditos de descarbonização (como os Cbios), e de carbono.

Os Estados brasileiros podem contribuir com a captura das emissões globais através de políticas e planos para preservar as matas nativas e reflorestar. Estas ações podem reduzir a pobreza, fortalecer as comunidades indígenas e criar novos arranjos bioeconômicos.

O segundo ponto é o desenvolvimento de planos integrados com foco na regeneração florestal e impulsionando cadeias econômicas verdes. A intenção é proteger as matas nativas, recuperar áreas degradadas, incluir comunidades locais e incorporar empresas. A integração das duas economias se daria em bioeconomia, bioenergia, agricultura de baixo carbono e energias renováveis, promovendo práticas sustentáveis no comércio global.

“O Brasil é o titular do maior ativo econômico da Terra e do bem natural mais necessário no século XXI para reverter a mudança climática”, diz Sérgio Xavier, articulador da iniciativa Governadores pelo Clima no CBC.

“Com este riquíssimo patrimônio que precisa ser regenerado e gerenciado de forma sustentável, podemos fazer parcerias em larga escala com as maiores economias do mundo, de igual para igual”, continua Xavier.

A mensagem é interligar a maior base de captura de carbono do planeta com países que precisam urgentemente reduzir suas emissões de carbono como os Estados Unidos, a União Europeia e a China. “O Brasil e as Américas seriam propulsores de um novo modelo global de desenvolvimento despoluidor, saudável e resiliente a pandemias”, diz ele.

O terceiro ponto da carta é estimular o uso de mecanismos já disponíveis para aplicação segura dos recursos internacionais com fundos estaduais, integração com iniciativas não governamentais e novos arranjos institucionais. “Uma relação direta diminui a burocracia”, diz Casagrande.

O quarto ponto é o que busca integrar os biomas brasileiros no esforço de reflorestamento. O Pantanal, por exemplo, perdeu grandes áreas com o fogo em 2020.

“Os governadores têm responsabilidades no cumprimento do Acordo de Paris”, lembra Casagrande, que fala como um porta-voz do grupo. “Os governadores estão muito envolvidos com a covid. É preciso algum tempo para conseguir circular a carta”, diz ele.

A carta explica aos americanos que a coalizão Governadores pelo Clima “é a mais ampla e diversa já realizada no âmbito subnacional, envolvendo progressistas, moderados e conservadores, jovens e experientes, rurais e urbanos, de situação e de oposição, dos mais diversos partidos e posições políticas”. Se todos os governadores assinarem, será a expressão de uma força política poderosa.

“É uma carta muito propositiva”, diz Xavier. “Os governadores são elos de gestão pública importantes para implementar políticas locais, onde as coisas estão acontecendo”, segue. “Estas ações fortalecem o Acordo de Paris.”

 

 

Além de lançar o Brasil como um país que pode ter uma economia de base ecológica, a carta repete várias vezes que este novo modelo de desenvolvimento pode reduzir a desigualdade. 

A iniciativa procura lançar os governadores como atores que se comprometem com a proteção da floresta, o reflorestamento e o desenvolvimento de uma economia verde. Citam a realização de inventários de emissões, a criação de planos estaduais de mudanças climáticas e ações multissetoriais. “Mas precisamos avançar com mais escala, visão sistêmica e velocidade.” Dizem estar construindo intercâmbios com governadores dos EUA, lideranças na América Latina e governos da Europa.