Valor Econômico, n.5209, 17/03/2021. Política, p.A10

 

Em busca de moderação para conter a pandemia

Bernardo Mello

17/03/2021

 

 

 

Presidentes da Câmara e do Senado defendem “saída de centro”

 No início de um ano marcado por desdobramentos das crises sanitária e econômica decorrentes da pandemia da covid-19, o seminário “E agora, Brasil?”, realizado pelos jornais “O Globo” e Valor, recebeu na segunda-feira os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para tratar dos desafios no caminho do Congresso Nacional em 2021.

O evento, com patrocínio do Sistema Comércio - por meio da CNC, do Sesc, do Senac e de suas federações -, ocorreu de forma on-line, devido a precauções por causa do coronavírus, e teve a mediação dos jornalistas Míriam Leitão, colunista de “O Globo”, e Cristiano Romero, diretor adjunto de redação e colunista do Valor.

Ao longo do debate, que durou cerca de duas horas - a íntegra está disponível nos perfis do “Globo” e Valor no Youtube, Facebook e LinkedIn -, Lira e Pacheco disseram que houve erros de diferentes instâncias de governo no combate ao coronavírus.

Pacheco afirmou que os erros já identificados, como a lentidão na vacinação e a escassez de leitos de UTI após um ano de pandemia, “terão de ser investigados” futuramente, inclusive através de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Ambos, porém, defenderam posturas moderadas para conter a crise sanitária.

O presidente do Senado avaliou que não considera oportuno um “apontamento insistente de culpados”, e defendeu por ora a adoção de medidas alternativas a uma CPI, como a formação de comissões para acompanhar os cronogramas de vacinação do Ministério da Saúde: “A CPI, se precisar ser instalada, será para apurar fatos pretéritos. A busca de culpados ocorrerá, [sobre] erros e eventuais crimes que tenham ocorrido. Mas não adianta achar que todos os males serão resolvidos por CPI. Vamos reconhecer nossas limitações hoje e seguir buscando soluções palpáveis.”

Os dois presidentes do Legislativo se disseram contra a adoção de um isolamento social rígido em todo o país, mas também frisaram a necessidade de medidas restritivas de acordo com os indicadores de cada região. “Um lockdown de 100% (do território nacional) é loucura, vai causar mais instabilidade. E o lockdown zero é falta de racionalidade”, afirmou Lira.

"Toda a solução desse problema estará irremediavelmente no aumento da escala de vacinação, que tem de ser o foco absoluto do Congresso”
— Rodrigo Pacheco, presidente do Senado
O presidente da Câmara, que classificou este como “o momento mais crítico” da pandemia, defendeu a busca por um ministro da Saúde ligado à ciência e com “caminhos abertos em todos os Poderes”, que pudesse “mudar algum tipo de paradigma que estamos vivendo”. Horas depois, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) apontou o cardiologista Marcelo Queiroga para a vaga do então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, causando insatisfação dos parlamentares.
 
No seminário, Pacheco e Lira defenderam repetidas vezes a necessidade de uma “saída de centro”, longe de “extremismos”, para encarar a dura travessia na pandemia. Eles defenderam o diálogo entre os três Poderes e a sociedade, para que cada um assuma responsabilidades no combate ao vírus - embora a “obrigação precípua seja da União”, enfatizou Pacheco -, com prioridade máxima na vacinação ágil da população.

“Toda a solução desse problema estará irremediavelmente no aumento da escala de vacinação, que tem de ser o foco absoluto do Congresso”, disse Pacheco, lembrando que Câmara e Senado já aprovaram uma lei destinada à compra de vacinas por União, Estados, municípios e iniciativa privada.

Um lockdown de 100% [do território nacional] é loucura, vai causar mais instabilidade. E o lockdown zero é falta de racionalidade”
— Arthur Lira, presidente da Câmara

 

Outra medida lembrada por Lira e Pacheco foi a PEC Emergencial, promulgada anteontem, que reserva R$ 44 bilhões para o pagamento do auxílio emergencial este ano. As regras para a nova versão do benefício deverão ser fixadas em medida provisória, que Pacheco disse esperar nos próximos dias.

Lira reiterou ainda que o Congresso tem buscado diálogo: “Com um discurso pacífico, propositivo, ajudando o Ministério da Saúde, fiscalizando e dialogando com governadores e prefeitos, buscando um canal para que se despolitize a pandemia.”

Questionados pelos mediadores se a postura de Bolsonaro, que já minimizou repetidas vezes o impacto da covid-19, não seria uma das “posições extremadas” que prejudicam soluções racionais na pandemia, Lira e Pacheco evitaram criticar o presidente e elogiaram mudanças recentes em seu discurso, que passou a dar maior atenção à campanha de vacinação.

O presidente do Senado considerou haver “dois fenômenos muito negativos” no país: o negacionismo, que consiste justamente em ignorar medidas sanitárias básicas, e o que chamou de “negativismo”.

“Aspectos de negação já encontraram a mitigação necessária pelo próprio senso comum de que isso não é correto. O negativismo é um problema de achar que nada funciona quando, na verdade, temos um sistema público de saúde capaz de dar vazão, desde que tenhamos vacina. No momento, o Congresso está tentando promover um ambiente de positivismo, de positividade”, afirmou Pacheco.

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Abertura para pautas conservadoras e liberais

João Paulo Saconi

17/03/2021

 

 

Parlamentares garantiram neutralidade diante dos temas que são levados por partidos à votação na Câmara e no Senado

Líderes partidários com atuação na Câmara e no Senado serão, de acordo com Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, os grandes responsáveis pela escolha das pautas que devem avançar em ambas as Casas ao longo dos próximos dois anos, enquanto durarem as suas gestões. O recado, endereçado aos partidos e à sociedade durante o “E agora, Brasil?” reflete a intenção de reforçar uma imagem de neutralidade dos dois presidentes diante de projetos conservadores e liberais que aguardam para serem discutidos pelos parlamentares.

Na lista, estão 35 prioridades selecionadas pelo governo federal e entregues ao Congresso pelo presidente Jair Bolsonaro, pouco após as eleições de Lira e Pacheco. Para o Palácio do Planalto, é importante o debate de temas econômicos e fiscais - como a reforma tributária e a privatização da Eletrobras - e de tópicos da chamada “pauta de costumes”, caso do homeschooling (ensino em casa), além do combate ao infanticídio indígena.

Tanto na Câmara quanto no Senado, de acordo com os presidentes, são as siglas que definem o que será apreciado coletivamente. “A pauta do presidente não é a pauta da maioria. Mas não temos preconceito com nenhum tema. Se ele tiver amadurecido na sociedade e conquistar maioria no colégio de líderes, tem que ir à discussão do plenário”, disse o deputado. E complementou: “ Não podemos fazer da Casa um guarda-roupa de esqueletos. Deputados são eleitos por uma bandeira, mais conservadora ou mais liberal. Não é correto que o presidente penda para um lado.”

Ao se referir ao “guarda-roupa de esqueletos”, Lira foi provocado pela colunista do “Globo”, Míriam Leitão, uma das mediadoras do “E agora, Brasil?”, sobre os 60 pedidos de impeachment do presidente Jair Bolsonaro apresentados à presidência da Câmara desde 2019. “Não tive tempo [de analisá-los]. O outro presidente [Rodrigo Maia, do DEM] teve e não achou motivo para seguir em frente - respondeu Lira, classificando como “drástico” o impedimento de um presidente: “Precisamos diminuir movimentos como esse e valorizar o ato de votar.” 

Além de mencionar que tem respeitado decisões colegiadas dos partidos na confecção da pauta do Senado, da mesma forma que Lira, Pacheco disse que a covid-19 tem sido tratada como um compromisso primário dos parlamentares. “ Estabelecemos um foco com muita energia em relação à pandemia para temas de saúde, desenvolvimento social e crescimento econômico. E estamos atentos às reivindicações do governo, mas temos também a nossa própria pauta”, afirmou o senador.

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Polarização de 2022 não deve ser "antecipada"

Marlen Couto

17/03/2021

 

 

 

 

Para Lira e Pacheco, debate eleitoral precoce, motivado por decisão de Fachin, pode contaminar ações contra a pandemia e pauta reformista

 A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin que anulou condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Lava-Jato balançou o tabuleiro político brasileiro. A anulação devolve os direitos políticos ao ex-presidente e permite que o petista dispute as próximas eleições presidenciais ou outro cargo político. Para os presidentes do Congresso Nacional, no entanto, a polarização entre o ex-presidente e Jair Bolsonaro não pode afetar a tramitação de projetos nas duas Casas do Legislativo.

Tanto o deputado Arthur Lira quanto o senador Rodrigo Pacheco defendem que medidas de combate à pandemia e a agenda de reformas devem ser a prioridade do Parlamento, e não as eleições presidenciais de 2022.

“O povo brasileiro merece o respeito de não antecipar as eleições, quando temos mais de dois mil mortos em função da pandemia e pessoas que ainda não foram vacinadas. Considero que será muito ruim a antecipação do processo político-eleitoral” disse Pacheco.

Lira ressaltou que as mesas da Câmara e do Senado, além de suas presidências, são neutras e classificou como “erro mortal” o país perder a oportunidades para implementar reformas necessárias e investir em medidas para conter a pandemia, como a vacinação. “O foco não é 2022. Se não atravessarmos hoje o drama de agora, nós não chegaremos no amanhã”, disse Lira, referindo-se à pandemia.

Questionado se o presidente Jair Bolsonaro não é o responsável por essa antecipação de 2022, Pacheco disse que, se o presidente medir suas ações com objetivo eleitoral, estará errado, assim como o ex-presidente Lula, caso o petista prefira discutir o pleito a propor soluções para a pandemia. O presidente do Senado afirmou que o momento é de união: “Gostaria muito de ver o presidente Bolsonaro e o ex-presidente Lula, quem sabe, sentados à uma mesa, para buscarmos soluções que nós estamos buscando no Congresso Nacional.”

 

 

Por outro lado, os parlamentares criticaram a Operação Lava-Jato por “politizar” o Judiciário. Lira defendeu que o STF conclua a análise do processo movido pela defesa de Lula sobre suspeição do ex-juiz Sergio Moro, responsável pelos casos da operação em Curitiba. Ele disse ser, na sua opinião, “irrefutável” que o ex-ministro da Justiça foi parcial em seus julgamentos e classificou a decisão de Fachin de anular as condenações como “inesperada”. Pacheco, por sua vez, evitou falar sobre o mérito da decisão de Fachin, que chamou de “normal”, mas fez duras críticas à “politização da Justiça”.