Valor Econômico, n.5209, 17/03/2021. Política, p.A7

 

Governo age para evitar criação de CPI

Renan Truffi

Vandson Lima

17/03/2021

 

 

Para líder, Queiroga “dará uma nova orientação no enfrentamento da pandemia”

A troca de comando no Ministério da Saúde evidenciou a tentativa do governo de desmobilizar as ofensivas pela criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso. Nas últimas semanas, a pressão pela instalação do colegiado vinha aumentando no Senado Federal, mas agora os governistas já falam em “recomeço” e melhoria na “interlocução” com governadores e prefeitos.

A estratégia foi exposta ontem pelo líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). Poucas horas após a escolha de Marcelo Queiroga para o cargo, ele usou o Twitter para dizer que a substituição “atende” às preocupações que motivaram pedidos dos parlamentares pela CPI. Bezerra Coelho argumentou que a saída de Eduardo Pazuello é uma maneira de aproximar o governo federal de Estados e municípios.

“Entendo que a substituição do ministro Eduardo Pazuello pode contribuir para a construção de um ambiente de diálogo, melhorando a interlocução com governadores e prefeitos. Nenhuma crítica pessoal ao ministro Pazuello, mas precisamos de um recomeço no enfrentamento da pandemia”, escreveu antes de mencionar a CPI. “A troca no Ministério da Saúde atende uma das preocupações que motivaram o pedido de CPI no Senado. O momento é tão crítico, que exige união e diálogo para adotar todas as medidas necessárias para salvar vidas e enfrentar o colapso dos sistemas de saúde”, complementou.

O emedebista teve um encontro com o novo ministro no gabinete do presidente Jair Bolsonaro e adiantou que o médico “dará uma nova orientação no enfrentamento da pandemia, agindo com rapidez e energia para fazer os contratos de aquisição de vacinas”. Após a conversa, o próprio Bezerra Coelho defendeu medidas “duras” de distanciamento, contrariando o Palácio do Planalto. “Defendo que medidas duras de distanciamento sejam adotadas em algumas cidades para dar um freio na transmissão do vírus e um respiro para o serviço público de saúde”, disse.

Senadores de partidos de centro, que relatavam situação “insustentável” até então, já realinharam o discurso. “Penso que foi determinante essa expectativa no Planalto [de frear pressão pela criação da CPI]”, explicou um parlamentar, em caráter reservado.

O requerimento pela criação na CPI no Senado é sustentado hoje por 32 senadores, ou seja, tem cinco assinaturas a mais do que o mínimo necessário. Esse volume de apoiamentos estava dificultando a situação do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Aliado do presidente Jair Bolsonaro, ele tem o poder de liberar ou não a instalação da comissão de inquérito, a partir da leitura do seu requerimento durante uma sessão deliberativa.

 

O assunto estava sendo discutido, insistentemente, nas reuniões de líderes, que acontecem toda semana no Senado. Os partidos de esquerda conseguiram atrair apoio, por exemplo, de partidos com o MDB, do senador Renan Calheiros (AL). Na última semana, Calheiros fez duras críticas a Rodrigo Pacheco por postergar a criação da CPI.

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Centrão mostra desagrado com troca na Saúde

Marcelo Ribeiro 

17/03/2021

 

 

Sentimento de parlamentares é de que Bolsonaro desperdiçou chance de dar uma guinada

A aposta do presidente Jair Bolsonaro no nome de Marcelo Queiroga para o Ministério da Saúde desagradou parlamentares do Centrão. A insatisfação aumentou após as primeiras declarações do sucessor de Eduardo Pazuello e despertou o sentimento de que o chefe do Poder Executivo desperdiçou a chance de dar uma guinada nas políticas voltadas ao combate à pandemia. O aceno do cardiologista de que dará continuidade ao trabalho do antecessor sustentou a tese de que sua nomeação “é um tiro pela culatra” e não representará mudanças consistentes no comando da pasta.

Reservadamente, lideranças partidárias compartilharam o entendimento de que, ao não determinar um novo rumo para o ministério, Queiroga dará margem para uma pressão maior pela criação de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar as ações do governo no combate à covid-19.

A expectativa de grandes mudanças na condução das política do ministério “começou a ruir” assim que Ludhmila Hajjar, primeira cotada para substituir Pazuello, recusou o convite do Bolsonaro por motivos técnicos. A partir desse momento, integrantes do Centrão já apontavam que o novo titular da pasta seria “obrigatoriamente alinhado” ao Palácio do Planalto.

“Sensação geral de ceticismo. As divergências entre o presidente e a Ludhmila são as divergências dele com boa parte do parlamento e da sociedade”, avaliou um líder partidário ao Valor.

A ligação de Queiroga com o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho mais velho do presidente, aumentou a percepção de que a gestão do novo ministro “não trará grandes mudanças” em relação ao trabalho executado até então por Pazuello.

“O fato de o Queiroga ter aceito nos leva a crer que ele não tem as divergências apresentadas por Ludhmila e, portanto, que haverá uma continuidade na estratégia - se é que pode ser usado este termo”, disse um líder da Câmara, em caráter reservado.

Ontem, o novo ministro disse que cabe ao titular da pasta executar as políticas estabelecidas pelo Palácio do Planalto. “A política é do governo Bolsonaro. A política não é do ministro da Saúde. O ministro da Saúde executa a política do governo. O ministro Pazuello tem trabalhado arduamente para melhorar as condições sanitárias do Brasil e eu fui convocado pelo presidente Bolsonaro para dar continuidade a esse trabalho”.

“Com a substituição, Bolsonaro tenta se livrar do desgaste político causado pelo agravamento da pandemia. Escolheu um médico para dar a impressão de que a condução da pasta será a mais técnica possível. Mas a recusa de Ludhmila mostra que o presidente quer continuar mandando no tabuleiro. Se Queiroga aceitou o cargo, deve aceitar que Bolsonaro continue dando as cartas”, pontuou um líder partidário. “

Apesar da preocupação geral, alguns líderes partidários defendem que seja dado um voto de confiança ao substituto de Pazuello “para mostrar a que veio”.