Valor Econômico, n. 5204, v.21, 10/03/2021. Política, p.A6

 

 

 

Nunes Marques pede vista e interrompe julgamento de suspeição de Moro

 

Ministro indicado por Bolsonaro não disse quando pretende devolver processo para a pauta do STF

Por Isadora Peron e Murillo Camarotto — De Brasília

 

 

Após um embate entre os ministros Edson Fachin e Gilmar Mendes, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou ontem o julgamento sobre a parcialidade do ex-juiz da Lava-Jato Sergio Moro ao condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do tríplex do Guarujá. O debate, no entanto, foi interrompido pelo ministro Kassio Nunes Marques, que pediu vista, isto é, mais tempo para analisar o caso.

 

Nunes Marques - que foi indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para a Corte - não disse quando vai devolver o processo para a pauta. Por ora, o julgamento está empatado, em 2 a 2, mas a ministra Cármen Lúcia avisou que pretende se manifestar novamente.

 

Ela e Fachin já haviam votado em dezembro de 2018, quando o julgamento começou. Na época, os dois ministros se posicionaram contra a tese de que Moro atuou de maneira parcial. Qualquer ministro pode mudar de voto até o fim do julgamento.

 

Responsável por interromper o julgamento em 2018, Gilmar decidiu devolver o processo para a pauta da Segunda Turma ontem, um dia depois de Fachin ter anulado todas as condenações impostas pela 13ª Vara Federal de Curitiba a Lula e enviar os casos para a Justiça Federal do Distrito Federal.

 

Ao tomar a sua decisão, o relator da Lava-Jato no Supremo apontou que o habeas corpus sobre a suspeição de Moro havia perdido o objeto, jargão jurídico que significa que o caso não precisaria mais ser julgado.

 

Nos bastidores, a decisão de Fachin foi vista como uma forma de preservar o legado da Lava-Jato e impedir que a eventual suspeição de Moro no caso de Lula contaminasse toda a operação.

 

Gilmar, no entanto, não concordou com a avaliação do colega e decidiu retomar a discussão. Pela manhã, Fachin chegou a apresentar uma questão de ordem ao presidente do STF, Luiz Fux, para tentar adiar o julgamento, mas não obteve resposta. Ele levantou o mesmo questionamento no início da sessão, mas ficou vencido.

 

Ao se manifestar pela continuidade do julgamento sobre a suspeição de Moro, Nunes Marques apontou o que, de fato, está em jogo agora. “Trata de saber se as provas que foram colhidas pelo ex-juiz Sergio Moro são válidas ou não”, disse o ministro.

 

“Se eventualmente não for declarada a suspeição, o novo juízo poderá proceder a um aproveitamento de todas as provas colhidas. Se de forma contrária esta Turma decidir pela suspeição do ex-juiz, o novo juízo já procederá em nova instrução, sabedor que não poderá aproveitar provas", resumiu Nunes Marques.

 

A discussão sobre a atuação de Moro na ação do tríplex do Guarujá foi retomada com um duro voto de Gilmar, que utilizou 102 páginas para detalhar por que considerava que o ex-juiz não agiu com imparcialidade.

 

O ministro determinou a anulação de todos os atos praticados por Moro no processo. Também apontou que o ex-juiz deve ser condenado a pagar as custas processuais da ação penal, sem especificar o valor. O ministro, no entanto, frisou que a suspeição de Moro se restringe ao caso do tríplex, e não se estende a outros processos ou réus da Lava-Jato.

 

“Não podemos aceitar que o combate à corrupção se dê sem limite”, disse Gilmar.

 

O ministro afirmou ainda que era “insuspeito” para julgar a matéria, porque sempre foi considerado um “opositor de algumas práticas do PT”.

 

Citando o fato de Moro ter virado ministro de Bolsonaro e as mensagens apreendidas pela Operação Spoofing, Gilmar defendeu que o ex-juiz atuou para tirar Lula da vida pública e impedir que ele disputasse a eleição de 2018. “ Qual país democrático aceitaria como ministro da Justiça o ex-juiz que afastou o principal adversário do presidente eleito da disputa eleitoral? Em qual nação governada sob o manto de uma Constituição isso seria compatível? Em que localidade o princípio da Separação de Poderes admitiria tal enredo?”

 

Já o ministro Ricardo Lewandowski afirmou que Lula foi submetido a um “verdadeiro simulacro de ação penal, cuja nulidade salta aos olhos”. Para ele, a atuação de Moro no processo “caracterizou-se pela subjetividade, parcialidade, motivação política e interesse pessoal”.

 

Responsável por liberar o acesso à defesa de Lula das mensagens acessadas por hackers, Lewandowski defendeu que o STF admite o emprego de provas ilícitas no processo penal desde que beneficiem o acusado.

 

Ele também classificou como “violência inominável” o fato de Moro ter determinado, em 2016, a condução coercitiva do ex-presidente. “Realmente, nem animais para matadouro se leva da maneira como foi levado um ex-presidente da República.”