Valor Econômico, n. 5203, v.21, 09/03/2021. Brasil, p.A6

 

 

 

Mitigar impacto econômico sem controlar pandemia não resolve, dizem economistas

 

Falhas no combate à covid-19 fazem os problemas retornarem agora, diz economista

Por Ana Conceição e Anaïs Fernandes — De São Paulo

 

 

Adotar novas medidas para combater o impacto da covid-19 na atividade não será suficiente para salvar a economia, que agora parte de uma situação pior que a do ano passado, se o problema de origem não for resolvido, afirmou ontem a economista Natalie Victal, da Garde Asset, durante Live do Valor. “Essa crise é extraordinária porque foi provocada por algo fora da economia. É uma crise sanitária, humanitária. Mitigar só o impacto econômico não resolve. É fundamental controlar a causa da crise. Temos de controlar o vírus.”

 

Medidas tomadas em 2020 - auxílio emergencial, programas de manutenção do emprego, reforço ao crédito - ajudaram a amenizar a queda do Produto Interno Bruto (PIB), mas falhas no combate à pandemia fazem os problemas retornarem agora, com o agravante de o país estar mais endividado, com inflação alta e diante de uma conjuntura internacional desafiadora, apontou Natalie.

 

“Não estamos no mesmo lugar do ano passado, estamos em um lugar pior, com sincronização de contaminação entre interior e capitais que não vimos antes e não permite folga ao sistema de saúde”, disse Paula Magalhães, economista-chefe da A.C.Pastore & Associados e outra convidada da live.

 

Segundo ela, o descontrole da pandemia acendeu “uma grande luz vermelha” para a atividade. “A questão é até quando teremos medidas restritivas à circulação no segundo trimestre. A indústria até veio bem em janeiro, mas sozinha não sustenta o PIB. Os serviços, 60% do PIB, são a área mais afetada. Então, estamos pessimistas”, disse Paula. Embora ainda esteja calibrando suas projeções, a chance de recessão técnica - dois trimestres seguidos de queda no PIB - não está descartada.

 

Natalie pondera que a primeira onda pode ter deixado uma “curva de aprendizado” e, levando em conta a experiência internacional, o impacto na atividade tende a ser menor do que no primeiro choque de 2020. A Garde estima estabilidade no PIB do primeiro trimestre, mas há muita incerteza.

 

Ambas as economistas entendem como necessário um novo auxílio emergencial, mas ressaltam que apenas a aceleração da vacinação vai trazer tranquilidade econômica. “Ninguém acha que não é bom ter o auxílio para as pessoas não morrerem de fome. Vamos ter um baque no emprego novamente com as restrições [à circulação]. E também alguma medida para impedir empresas de quebrar. Mas o melhor gasto fiscal é o gasto em vacina”, afirmou Paula. Sem vacinação em massa, o Brasil poderá, em 2022, estar discutindo os mesmos problemas, alertou Natalie.

 

Elas aproveitaram a live, que ocorreu no Dia Internacional da Mulher, para reforçar a importância de economistas mulheres ocuparem mais espaços nos ambientes de trabalho e na academia, de modo que futuras economistas se sintam representadas e tenham em quem se espelhar. “Sim, somos minoria, porém descobrimos que não somos tão poucas assim e está melhorando”, disse Natalie Victal. Grupos de apoio têm se formado para dar visibilidade às mulheres economistas e trazem esperança de um futuro ainda melhor, observou Paula Magalhães. “Passar por uma situação ruim ou ter dúvida da sua capacidade porque você não tem em quem se espelhar e se sente sozinha piora muito sua vontade de continuar, então esses grupos são muito importantes.”