Valor Econômico, n. 5201, 05/03/2021. Brasil, p.A12

 

 

 

 

 

Covid-19: Ministério da Saúde prevê até 3 mil mortes diárias em março

 

Cúpula da pasta vê “tempestade perfeita”, com novas variantes, colapso hospitalar e falta de vacinas

Por Fabio Murakawa — De Brasília

 

 

A cúpula do Ministério da Saúde espera que o Brasil atravesse nas próximas duas semanas o pior momento da pandemia. O Valor apurou que, no entorno do ministro Eduardo Pazuello, a expectativa é que haja uma explosão de casos e mortes no período, com os óbitos ultrapassando a barreira dos 3.000 por dia.

 

O diagnóstico decorre de uma tempestade perfeita: o alastramento do vírus em todo o país, impulsionado pelas aglomerações no fim do ano e no Carnaval; a dificuldade da população de manter-se em isolamento social; a circulação no país de novas variantes mais contagiosas e com grande carga viral; a iminência de um colapso do sistema hospitalar em diversos Estados ao mesmo tempo; e a falta de vacinas disponíveis para imunizar os brasileiros.

 

As atenções da pasta estão voltadas sobretudo para a região Sul. No Rio Grande do Sul, por exemplo, a ocupação de leitos de UTI tem estado próximo ou acima de 100% durante toda a semana. Na região Norte, embora o número de casos seja menor, há preocupações quanto à pouca disponibilidade de leitos. Os alertas também já dispararam quanto à situação de Estados como Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.

 

Na visão da equipe de Pazuello, São Paulo tem conseguido até o momento evitar o pior por possuir a maior rede hospitalar do Brasil. Principal porta de entrada do país, o Estado mais populoso da federação registrou 60 mil das cerca de 260 mil mortes pelo coronavírus em solo brasileiro. Para a equipe de Pazuello, se um colapso hospitalar ocorrer ali, os números dessa “tragédia anunciada” podem subir exponencialmente.

 

A cúpula da Saúde entende que não há muito no momento o que fazer, a não ser estimular a reabertura de hospitais de campanha nos Estados. O governo federal também cogita novas instalações desse tipo já nos próximos dias.

 

As ações de fechamento e restrições à circulação de pessoas estão nas mãos dos Estados. O governo federal não vai decretar lockdown nacional, escorado em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e também por acreditar que as decisões devem ser tomadas levando em critérios regionais.

 

Para o médio prazo, as projeções da equipe de Pazuello são mais otimistas. A estimativa é que a vacinação começará a se acelerar a partir deste mês, com a maior produção do Butantan e da Fiocruz. Em abril, ambos já deverão estar produzindo 1,4 milhão de doses diárias.

 

Com as diversas vacinas importadas começando a chegar, a expectativa de Pazuello é vacinar 70 milhões de pessoas até o fim de junho. Fazem parte desse grupo prioritário idosos com mais de 60 anos, pessoas com comorbidades e médicos, professores, policiais, indígenas, entre outros.

 

Na quarta-feira, o Ministério da Saúde anunciou a intenção de comprar 100 milhões de doses da vacina da Pfizer e outras 38 milhões de doses da vacina da Janssen, braço farmacêutico da Johnson & Johnson.

 

Segundo um cronograma ao qual o Valor teve acesso, o ministério espera para o primeiro semestre a chegada de apenas 9 milhões de doses desse total, todas da Pfizer. Outras 30 milhões de doses da fabricante americana devem chegar entre julho e setembro. As entregas se aceleram no último trimestre, com 61 milhões de doses.

 

Já a Janssen deve entregar 16,9 milhões de doses em setembro e 21,1 milhões de doses em dezembro, segundo ficou apalavrado entre o ministério e a farmacêutica.

 

O Ministério da Saúde pretende autorizar a compra de vacinas por empresas e entes privados somente quando os grupos prioritários estiverem imunizados. Isso será feito por decreto, e as empresas terão que doar metade dos lotes para o Plano Nacional de Imunização (PNI).

 

O governo, porém, jogará toda sua força política para evitar que Estados façam o mesmo. O ministério já sinalizou aos laboratórios, com quem mantém contratos bilionários, que negociar com governadores individualmente ou em grupo não agradaria o governo federal. A impressão de governadores que estiveram reunidos com Pazuello nesta semana foi a mesma: dificilmente conseguirão adquirir vacinas separadamente ou em consórcios.

 

Planalto e Saúde tentam evitar que o governo federal perca o protagonismo na imunização - como aconteceu em janeiro, quando o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), vacinou a primeira pessoa em território nacional com transmissão ao vivo pela TV.

 

Ontem, um grupo de 14 governadores enviou carta a Jair Bolsonaro

pedindo a providências “imediatas” para a compra de novas doses de vacinas contra a covid-19. Eles citaram um “aumento exponencial dos casos de infecção e do número de óbitos” nos últimos dias. E disseram que estão “no limite de suas forças e possibilidades”.

 

Pazuello espera que toda a população esteja vacinada até o fim do ano. E pretende deixar o cargo somente quando isso acontecer. Segundo interlocutores, os partidos do Centrão já entenderam que dificilmente Bolsonaro trocará o auxiliar, de sua extrema confiança, durante a pandemia.

 

O número diário de 3.000 mortes, caso seja alcançado, não será um recorde mundial. Os Estados Unidos já chegaram a registrar mais de 5.000 mortes por dia no início de fevereiro, segundo a Universidade Johns Hopkins.

 

Bolsonaro desistiu nesta semana de fazer um pronunciamento em cadeia de rádio e TV sobre vacinação. A fala seria veiculada inicialmente na terça-feira, dia em que as mortes pelo coronavírus atingiram um recorde de 1.726, segundo o consórcio de veículos de imprensa. Foi, então, adiada para a quarta. Mas, diante de um novo recorde de 1.840 mortes, ele desistiu de vez da ideia.

 

Ontem, o presidente criticou o isolamento social e pediu que se pare de “frescura” e “mimimi”.

 

A despeito da fala de Bolsonaro, porém, a expectativa geral é que a escalada de mortes continue.

 

 

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Disparada na ocupação de UTIs mostra falha na resposta à pandemia

 

Novo boletim da Fiocruz mostra que alta de ocupação de leitos no fim do ano passado já apontava pandemia em descontrole

Por Leila Souza Lima — De São Paulo

 

Boletim divulgado ontem pelo Observatório Covid-19 da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostra que desde o fim do ano passado a alta ininterrupta da ocupação de leitos de UTI era um alerta de que pandemia estava em descontrole no país. Técnicos da entidade apontam que era possível detectar há meses que havia necessidade premente de planejamento nacional a fim de evitar tanto a explosão de casos de pessoas com a doença, quanto o colapso no sistema público hospitalar. Ressaltam ainda que as preocupações devem ir além da enfermidade causada pelo novo coronavírus, pois o Sistema Único de Saúde (SUS) responde por inúmeros outros tratamentos que acabaram impactados.

 

A análise, que complementa boletim divulgado no último dia 2, retrata a deterioração generalizada da gestão hospitalar, ao comparar taxas de períodos em que curva atingiu níveis preocupantes ano passado, em face do cenário nos primeiros meses de 2021. Na publicação de terça-feira, a entidade de pesquisa alertou que, pela primeira vez desde o início da pandemia, verifica-se em todo o país o agravamento simultâneo de diversos indicadores, como o crescimento do número de casos e mortes, a manutenção de níveis altos de incidência de Síndromes Respiratórias Agudas Graves (SRAG), a alta positividade de testes e a sobrecarga dos hospitais.

 

Com base nisso, os pesquisadores defendem medidas mais rigorosas de restrição da circulação e das atividades não essenciais, segundo necessidade epidemiológica de cada região. Para uma ideia de como a situação piorou, a partir de dados coletados com secretarias estaduais de Saúde, observa-se na nota da Fiocruz divulgada ontem que, em 17 de julho de 2020, havia apenas três Estados com taxa de ocupação das UTIs crítica, ou seja, iguais ou superiores a 80%. Eram eles Mato Grosso, Goiás e Bahia. Em 27 de julho, Mato Grosso, Goiás e Santa Catarina estavam nessa classificação.

 

Já mais recentemente, com base em dados compilados em 1º de março, somente Amapá, Paraíba, Alagoas, Minas Gerais, Rio, Espírito Santo em São Paulo estão em zona de alerta intermediária (amarelo), quando as taxas são iguais ou superiores a 60% e inferiores a 80%. E somente Sergipe está fora da zona de alerta, com taxa abaixo de 60%. Todos as outras unidades da federação estão em nível crítico - representado pela cor vermelha.

 

“Sabemos que leitos de UTI são um recurso complexo e caro que não pode ser expandido ilimitadamente, pois requerem equipes treinadas. A manutenção sem uso de fato não faz sentido, mas tem que ter plano de contingência diante do desastre que estamos vivendo. É preciso gestão e previsão para retrair e expandir rapidamente quando é necessário”, ressalta a engenheira e doutora em Políticas e Administração em Saúde Margareth Portela, membro do Observatório Covid-19 Fiocruz.

 

Ela ressalva ainda que leitos não podem ser o único instrumento de controle de uma pandemia. Para a especialista, a escalada na ocupação de UTIs é um retrato contundente da falta de políticas para evitar o colapso hospitalar e, sobretudo, a perda de vidas. “Estamos cansados no país de um esforço que, na verdade, foi empregado de forma errada, ou que em alguns casos sequer foi feito”, diz, Margareth, referindo-se a fatores como a medidas de restrição do convívio social, uso de máscaras e outras ações de controle e prevenção.

 

Margareth pondera que algumas localidades foram mais bem-sucedidas, mas que em âmbito nacional, o país foi mal e continua fracassando na resposta à pandemia. “Passado um ano desde que tudo começou e diante de tudo o que aconteceu, o Brasil deveria estar mais bem preparado, e com indicadores bem diferentes dos de hoje.”

 

 

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Média de mortes sobe, bate recorde pelo sexto dia seguido e chega a 1.361

 

Brasil ultrapassa marca de 261 mil vítimas fatais pela covid-19

 

 

O Brasil teve 1.786 mortes por covid-19 em 24 horas, até as 20h de ontem, segundo o consórcio de veículos de imprensa. O total de mortos pela pandemia no país já soma 261.188.

 

A média móvel de mortes nos últimos sete dias foi de 1.361 por dia, alta de 30% em relação aos casos registrados em 14 dias. Foi o sexto dia seguido de recorde na média móvel.

 

Pelo quinto dia consecutivo, o indicador ficou acima de 1,2 mil óbitos. Já são 43 dias seguidos de média móvel de mortes acima de mil por dia.

 

Ontem foram registrados mais 74.285 casos da doença até 20h, elevando para 10.796.506 o número de infectados no país.

 

A média móvel de novos casos no Brasil na última semana foi de 57.517 por dia, alta de 27% em relação aos dados de 14 dias.

 

O consórcio de veículos de imprensa é formado pelos jornais “O Globo”, “Extra”, “Folha de S.Paulo” e “O Estado de S. Paulo”, bem como os portais UOL e G1.

 

Os dados são apurados junto às secretarias de Saúde dos Estados e do Distrito Federal. Diariamente o consórcio divulga três boletins, às 8h, 13h e 20h.

 

Dezesseis Estados e o Distrito Federal estão com alta nas mortes: PR, RS, SC, SP, DF, GO, MS, AC, TO, AL, BA, CE, MA, PB, PI, RN e SE. Oito Estados apresentam estabilidade: ES, MG, RJ, MT, PA, RO, RR e PE. A média está em queda no AM e AP

 

Segundo os dados oficiais do Ministério da Saúde, o país contou ontem 1.699 óbitos pela doença, de acordo com o balanço divulgado pela autoridade de saúde às 17h30. Com isso, o total de mortes provocados pelo novo coronavírus atinge 260.970.

 

Os casos confirmados somam 10.793.732 desde o início da pandemia, conforme os números oficiais do Ministério da Saúde. Só ontem foram computados mais 75.102 diagnósticos positivos de covid-19.

 

Segundo o Ministério, são 9.637.020 pacientes recuperados da doença e 895.742 sob acompanhamento.

 

São Paulo é o Estado com mais mortes (60.694) e casos confirmados (2.080.852) de covid-19. Minas Gerais é o segundo com mais casos (901.535) e o Rio de Janeiro é o segundo com mais óbitos (33.466).

 

 

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Fiocruz emite alerta sobre disseminação de “variantes de preocupação” no país

 

Novas cepas aparecem disseminadas pelas regiões Nordeste, Sudeste e Sul

Por Rafael Rosas — Do Rio

 

 

Depois de alertar no início da semana para o aumento generalizado das internações e da ocupação dos leitos de UTI no país devido ao recrudescimento da covid-19, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) voltou ontem a publicar um comunicado técnico, dessa vez sobre a disseminação de novas variantes do coronavírus no Brasil.

 

Batizadas como “variantes de preocupação”, as três cepas identificadas inicialmente no Amazonas, no Reino Unido e na África do Sul já possuem prevalência em seis de oito Estados pesquisados. Foram avaliadas cerca de mil amostras dos Estados de Alagoas, Ceará, Minas Gerais, Pernambuco, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. O protocolo da Fiocruz detecta a mutação comum nas três variantes, que são potencialmente mais transmissíveis. A avaliação contou com o apoio do Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Vigilância em Saúde e da Coordenação Geral de Laboratórios de Saúde Pública.

 

De acordo com o Observatório da Fiocruz, a alta circulação de pessoas e o aumento da propagação do vírus Sars-CoV-2 têm favorecido o surgimento dessas variantes no Brasil. O comunicado divulgado ontem alertou para um cenário “preocupante” que alia o perfil potencialmente mais transmissível dessas novas cepas à ausência de medidas que possam ajudar a conter a propagação e circulação do vírus.

 

Dos oito Estados avaliados, apenas Minas Gerais e Alagoas não tiveram prevalência superior a 50% da mutação associada às variantes. Em Minas, elas foram identificadas em 30,3% das amostras testadas, e, em Alagoas, em 42,6%. Nos demais Estados, mais de 50% das amostras foram identificadas com a mutação associada às ‘variantes de preocupação’. A maior incidência, de 71,1%, foi verificada no Ceará, seguido pelo Paraná, com 70,4%.

 

Como resultado da análise, a Fiocruz voltou a reforçar as diretrizes apontadas pelo Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (Conass), que pediu maior rigor nas medidas de restrição de atividades não essenciais; o reconhecimento legal do estado de emergência sanitária e a viabilização de recursos extraordinários para o SUS; a implementação de um plano nacional de comunicação para reforçar a importância das medidas de prevenção; a compra de todas as vacinas eficazes e seguras disponíveis no mercado; e a aprovação de plano nacional de recuperação econômica, com o retorno do auxílio emergencial.

 

A Fiocruz ressaltou a importância da aceleração da disponibilização de vacinas para ao Programa Nacional de Imunizações (PNI), com o objetivo de reduzir o número de casos da doença, bem como o aparecimento de novas variantes. A fundação também destacou que não têm sido observada uma clara associação dessas variantes com a evolução clínica mais grave da doença, embora estudos adicionais estejam em andamento.

 

Na nota divulgada pela Fiocruz, o vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da fundação, Marco Krieger, frisou que a vigilância genômica e o monitoramento dessas variantes serão fundamentais para o enfrentamento da pandemia e lembrou que o protocolo de RT-PCR para identificar essas novas cepas foi desenvolvido pela Fiocruz Amazônia. A fundação informou que esse protocolo será ampliado e repetido “de forma sistemática para um monitoramento “massivo” das variantes.