Valor Econômico, n. 5201, v.21, 05/03/2021. Política, p.A7

 

 

 

Empresários que apoiam governo elevam críticas

 

Cresce o temor de que Guedes seja o próximo a deixar o governo

Por Mônica Scaramuzzo — De São Paulo

 

 

Em meio à maior crise sanitária enfrentada pelo país, com números recordes de mortes causadas pela covid-19, empresários historicamente apoiadores de Jair Bolsonaro sobem o tom às críticas ao governo federal no combate à doença e também temem que os discursos e rompantes do presidente provoquem reflexos ainda mais negativos e prejudiquem a retomada da economia. O apoio irrestrito de uma parte dos empresários que fazia coro a tudo que Bolsonaro falava começa a perder mais terreno.

 

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“Estamos pagando as consequências [na área da saúde] dessa desorganização e disputa ocorrida nos últimos meses”, disse ao Valor o empresário Alberto Saraiva, fundador da rede de fast food Habib’s. Saraiva foi um dos empresários que defenderam abertamente o impeachment na presidente petista Dilma Rousseff e saiu em defesa da política econômica liberal defendida por Jair Bolsonaro.

“Uns priorizam a saúde, outros o emprego. E o resultado da falta de planejamento e dessa disputa política levaram ao caos tanto da saúde como do desemprego”, afirmou. Saraiva defende que os empresários comprem vacinas e apoia o movimento liderado por Carlos Wizard, sócio de empresas de alimentos, como a Frango Assado, e escolas de idiomas, e Luciano Hang, da varejista Havan, dois grandes incentivadores de Bolsonaro. “Essa ação pode ser o ‘start’ dessa liberdade das empresas se envolverem e buscarem um caminho no processo de vacinação de seus funcionários”, disse Saraiva.

 

Segundo o dono da rede Habib’s, “falta inteligência emocional” ao presidente, em uma crítica às falas de Jair Bolsonaro na condução da crise da sanitária e nos efeitos tóxicos que os discursos inflamados possam provocar na economia.

 

Um dos fundadores da construtora mineira MRV, que cresceu com o programa Minha Casa Minha Vida, Rubens Menin, também vê bastante “impulsividade” no discurso do presidente e admite que as recentes falas de Jair Bolsonaro provocaram ruídos no mercado, de forma geral. “Quanto menos ruído, melhor para nós”, disse um dos donos da construtora, que também é um dos controladores a rede de comunicação CNN no Brasil.

 

Contudo, tanto Menin como Saraiva ainda veem a agenda reformista do ministro da Economia, Paulo Guedes, como o fiel da balança do governo. Para Menin, o ideal é que a mudança no comando da Petrobras - anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro e que foi entendido pelo mercado financeiro como uma interferência do governo na política de preços dos combustíveis- tivesse sido feita por Guedes. “Causaria menos barulho”, diz Menin.

 

As atuais interferências de Bolsonaro - na troca da Petrobras e nas críticas pesadas ao atual presidente do Banco do Brasil, André Brandão, que colocou seu cargo à disposição - não só colocaram em alerta o mercado financeiro, como parte dos industriais, que veem Bolsonaro embarcando cada vez mais em um movimento mais populista, sem o compromisso de reduzir o papel do Estado na economia.

 

Cresce o temor entre boa parte dos empresários apoiadores - e também dos mais críticos ao presidente - de que Guedes seja o próximo a deixar o governo. Em abril, a saída do juiz Sergio Moro, do Ministério da Justiça, abalou uma parte dos empresários bolsonaristas, que viam no juiz da Lava-Jato um braço do governo de Bolsonaro de combate à corrupção. Embora não tenha avançado nas agendas liberais, o ministro da Economia ainda é para classe empresarial o braço reformista do governo. “Mas não há nada que não possa piorar”, disse, sob reserva, um alto industrial da área de infraestrutura e energia do país.

 

Para Flávio Rocha, dono da rede varejista Riachuelo, os ruídos no meio empresarial com a troca de Roberto Castello Branco já foram dirimidos e o governo - na figuras do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e Câmara, Arthur Lira (PP-AL) -, comprometeu-se com o prosseguimento da agenda econômica.

 

Na área de saúde, Rocha engrossa o coro do presidente da República e vê uma “lei do mínimo” esforço de Estados e municípios que estão, neste momento, impondo medidas mais restritivas e até anunciando o “lockdown” para combater o avanço da covid-19. O setor de varejo e de alimentos será um dos mais afetados pelas medidas restritivas de combate ao vírus. Mas, para Rocha, o maior patrulhamento aos locais de aglomerações de pessoas e o controle e testes de febre em entradas de comércios e shoppings são medidas mais que suficientes para inibir a pandemia, que avança a passos largos no país.