Valor Econômico, n. 5199, v.21, 03/03/2021. Brasil, p.A7

 

 

 

Mercosul está aberto a nova cláusula com UE

 

Chanceler diz que declaração com compromissos ambientais pode ser anexada ao acordo

Por Daniel Rittner — De Brasília

 

 

O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, afirmou ontem que o Brasil e seus sócios do Mercosul estão dispostos a incluir uma declaração anexa sobre meio ambiente no acordo de livre comércio com a União Europeia, com o objetivo de facilitar sua assinatura e ratificação por países europeus que têm cobrado o governo Jair Bolsonaro pela alta nas taxas de desmatamento.

 

“Existe essa ideia. Nós - Brasil, Mercosul - já dissemos que estamos prontos para ir adiante”, disse o chanceler. Ele ponderou, no entanto, que o bloco não quer “reabrir a negociação, que foi complicada e complexa”. “Dentro desse parâmetro básico, estamos prontos a ver qual é a ideia por parte da UE, o que ajudaria nesse processo de ratificação.”

 

Depois de 20 anos de tratativas, o acordo UE-Mercosul foi fechado em junho de 2019, mas ainda está pendente de assinatura e requer a aprovação do Parlamento Europeu. Países como França, Áustria, Holanda e Bélgica (especificamente a região da Valônia) têm colocado restrições aos próximos passos.

 

Eles alegam que a abertura do mercado europeu para produtos do agronegócio brasileiro pode favorecer o avanço do desmatamento na Amazônia. O governo brasileiro costuma dizer que essa postura se deve a interesses comerciais, de caráter protecionista, e não puramente ambientais.

 

Daí surgiu a ideia de uma declaração anexa ao tratado, com compromissos adicionais sobre meio ambiente, com a qual Araújo afirmou concordar. Mas ele fez uma ressalva: é preciso “ver o que está lá (na possível declaração) e se está de acordo com nossos interesses”.

 

O ministro enfatizou que o próprio acordo já tem mecanismos de proteção ambiental e que o Brasil reitera sua preocupação com o tema. Para ele, “essa realidade vai acabar transparecendo e conseguiremos algum compromisso adicional que demonstre isso”.

 

Araújo recebeu jornalistas para sua entrevista coletiva do ano, no Palácio do Itamaraty, que sugere um reposicionamento em sua estratégia de comunicação adotada nos últimos meses. Criticado por aliados do presidente Jair Bolsonaro no Centrão, ele escasseou seus contatos com a imprensa e aproximou-se de mídias alternativas, com viés conservador e governista.

 

A nova tática coincide com uma mudança na área de comunicação do Itamaraty, que passou a ter o embaixador Paulino Franco como principal responsável.

 

No início da coletiva, Araújo fez uma defesa do livre mercado e criticou o planejamento central da economia. “Não funciona. A mesma coisa se aplica à analogia sobre informação, com uma entidade central determinando o que é e o que não é. Defendemos a livre circulação de ideias e de falas”

 

Na entrevista, com uma hora e meia de duração, o ministro defendeu uma flexibilização do Mercosul para permitir que seus quatro sócios possam acelerar negociações comerciais conforme seus interesses individuais.

 

Uma decisão adotada pelo bloco em 2000 obriga Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai a discutir tratados comerciais sempre de forma conjunta. Em eventual mudança de regra, cada país poderia fazer sua própria abertura a produtos estrangeiros em intensidade e velocidade diferentes. Os quatro sócios compartilham uma tarifa de importação comum (a TEC).

 

Araújo disse ser favorável a flexibilizar o Mercosul “para dar mais velocidade à negociação de acordos quando [houver] disposição diferente” de cada sócio. “Esperamos que isso nos permita negociar muito mais rápido com todas as economias que sejam relevantes.”

 

Entre os alvos elencados pelo ministro estão Índia e Japão. Ele também mencionou negociações já em andamento (Coreia do Sul) e outras já autorizadas pela Câmara de Comércio Exterior (Camex), como com Vietnã e Indonésia. “Continuamos com planos de negociações mais profundas com os Estados Unidos e outros parceiros”, acrescentou.

 

Quanto aos Estados Unidos, Araújo afirmou que o diálogo entre Brasil e a nova gestão na Casa Branca tem evoluído em “atmosfera de total confiança e entendimento recíproco” nas primeiras semanas de governo Joe Biden.

 

“O novo governo americano está olhando a realidade e não uma narrativa distorcida. Essa confiança que foi plantada entre os presidentes Bolsonaro e [Donald] Trump continua florescendo.”

 

Araújo procurou, em suas intervenções iniciais, contrapor as críticas de que o relacionamento Brasil-EUA durante a gestão Donald Trump teria contrariado os interesses nacionais. Ele citou o acordo de salvaguardas tecnológicas (que viabiliza o uso da base de lançamentos em Alcântara) e o recente pacote de acordos na área regulatória como exemplos.

 

No caso da gestão Biden, disse que as boas relações começaram por uma área que os críticos apontavam como potencial ponto de fricção: a discussão sobre meio ambiente e mudanças climáticas.