Valoe Econômico, n. 5199, v.21, 03/03/2021. Brasil, p.A3

 

 

Erros comprometem imunização, afirma cientista

 

Campanha poderia ter resultado mais favorável se houvesse um bom planejamento logístico, diz Ethel Maciel

Por Lucianne Carneiro — Do Rio

 

Professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e doutora em epidemiologia, Ethel Maciel afirma que os erros cometidos no ano passado se refletem hoje na campanha de vacinação contra a covid-19, como a decisão do governo de não fechar a compra da vacina da Pfizer em 2020. Mesmo diante da realidade de doses limitadas, a campanha de vacinação poderia ter resultados mais satisfatórios, se houvesse planejamento logístico melhor do Ministério da Saúde e uma definição nacional de prioridades para os grupos a serem vacinados, afirma.

 

“Aqueles erros cometidos no passado são trazidos para hoje e nossa campanha de vacinação é afetada. Se o governo tivesse fechado as 70 milhões de doses da Pfizer no ano passado, por exemplo, teríamos praticamente uma nova campanha. E os estudos mais recentes mostraram que a vacina da Pfizer tem alta proteção mesmo com uma dose única. Teria sido muito importante que o governo tivesse fechado essa compra. A realidade seria diferente hoje”, diz ela.

 

No início de janeiro, a Pfizer anunciou que fez três ofertas ao governo brasileiro de 70 milhões de doses, no segundo semestre de 2020. Depois do anúncio, o Ministério da Saúde reconheceu a proposta, embora tenha apontado que o volume era inferior, de 2 milhões. Hoje, mesmo depois de a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ter concedido o registro definitivo para o imunizante da Pfizer em fevereiro, governo brasileiro e farmacêutica ainda não chegaram a um acordo.

 

Por outro lado, vê com muita cautela o anúncio feito pelo Ministério da Saúde de compra de 20 milhões de doses de Covaxin, da Precisa Medicamentos / Bharat Biotech, vacina que ainda não concluiu os testes da fase 3 nem tem aprovação da Anvisa. A compra, alerta, não significa que a vacina poderá ser usada de forma imediata. Além disso, ela reforça a importância da independência da Anvisa para concluir as avaliações sobre a vacina. “Os resultados da fase 3 são fundamentais para avaliar a eficácia da vacina e precisamos do aval da Anvisa. É diferente comprar a vacina e ter a disponibilidade para colocar no nosso braço”, afirma.

 

A despeito da delicada situação atual da pandemia, a epidemiologista acredita que a chega do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) da China para a Fundação Oswaldo Cruz ajudará a dar um pouco mais de ritmo à campanha de vacinação. Na última segunda-feira, a Fiocruz confirmou o o cronograma de entrega de 15 milhões de doses de vacina Oxford/ AstraZeneca contra a covid-19 produzidas no Brasil neste mês de março e a previsão de 100,4 milhões de doses até julho. O plano prevê, além das 15 milhões de doses de março, a produção de 27 milhões de doses em abril, 28 milhões em maio, mais 28 milhões em junho e o restante (2,4 milhões) em julho.

 

Mesmo antes dessa ajuda da produção de vacinas pela Fiocruz e com a pouca disponibilidade de doses em função de problemas nas negociações do governo com outras farmacêuticas, Ethel Maciel afirma que a imunização da população poderia estar sendo realizada de uma forma mais eficiente. Um dos problemas apontados é a falta de coordenação do Ministério da Saúde, que deixou em aberto a definição das prioridades da vacinação, o que provoca ações desencontradas de Estados e municípios. O objetivo principal da campanha a curto prazo, reforça, deve ser a vacinação do público acima dos 60 anos, de maneira a atenuar a curva de óbitos, que vem registrando recordes diários.

 

“Quando se tem menos doses, é preciso ser assertivo, para usar bem o que tem. Cada Estado foi fazendo uma coisa, quando o mais importante é vacinar as pessoas acima dos 60 anos. É preciso centrar energia neste público”, diz a especialista, que critica, por exemplo, a aplicação das vacinas em profissionais de saúde abaixo dos 60 anos que não estão na linha de frente de combate ao coronavírus.

 

Ela defende que é preciso pensar na distribuição das vacinas de acordo com o acesso às diferentes regiões do país. Regiões mais remotas devem receber prioritariamente as vacinas da Oxford/ AstraZeneca, que tem uma distância maior entre a primeira e a segunda dose, mas esta não tem sido a estratégia do Ministério da Saúde.