O Globo, n.32013 , 31/03/2021. País, p.6

 

Limite institucional

31/03/2021

 

 

EX-MINISTROS VEEM POLITICA FORA DO QUARTEL

Ex-ministros e hoje na reserva, onde está o maior foco de insatisfação dos militares ao governo de Jair Bolsonaro, os generais Alberto Santos Cruze Sérgio Etchegoyen avaliam que as Forças Armadas, independentemente da troca de comando, não vão ultrapassar sua função institucional e se manterão longe da política.

Enquanto Etchegoyen considera ser inadequado chamar de crise a substituição dos chefes do Exército, da Aeronáutica e da Marinha — “é uma prerrogatica do presidente”, diz ele, —Santos Cruz diz não haver motivo plausível para as trocas, amenos que tenhas ido por “mania pessoal” do presidente Bolsonaro. Para Santos Cruz, qualquer tentativa de politização das Forças Armadas representa uma subversão da hierarquia e da disciplinada instituição:

— Forças Armadas não são ferramenta para fazer pressão política, ferramenta para você utilizar no jogo político, não é para isso. As Forças Armadas têm uma destinação constitucional.

Etchegoyen reforça que “o Exército vai se manter como sempre esteve”:

— Longe de qualquer papel político.

Santos Cruz criticou ainda aforma como os comandantes foram demitidos, dizendo que foi um desrespeito e uma ofensa aos militares. Na visão dele, a reforma ministerial é normal, mas “não tem nada a ver com comandante militar”:

— Comandante militar não faz parte dessa primeira camada política. São elementos operacionais, com uns 40, quase 50 anos na sua profissão. Eaíé exonerado no mesmo nível de uma camada política, sem qualquer explicação. Isso aí é falta de consideração pessoal e funcional.

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Entrevista - Sérgio Etchegoyen: "Forças armadas não vão para a rua defender nínguem politicamente"

31/03/2021

 

 

Sérgio Etchegoyen / GENERAL E EX-TITULAR DO GSI

O Alto Comando do Exército se reuniu ontem e hoje, e seus membros têm dito a interlocutores que a Força não vai cedera tentações golpistas. Como devemos entender isso? O Exército pode vira atu arpara parar o presidente?

Nunca as Forças Armadas aceitaram ser tratadas de outra forma que não como instituição de Estado e pelos canais apropriados, por mais hostil que fosse o momento. Nos últimos anos, já enfrentaram, por exemplo, uma tentativa sórdida de avanço sobre as competências dos comandantes na gestão do pessoal, no mandato da presidente Dilma —que depois o próprio PT botou lá em seus documentos que lamentava não ter promovido oficiais generais que não fossem alinhados como projeto de governo deles. E ainda assim o Exércitos e manteve fiel aos princípios legais. Achoque não será diferente agora.

Masa atitude do presidente de demitir o ministro da Defesa e os comandantes das Forças, da forma como foi, não é uma atitude hostil?

Se você considerar o aspecto pessoal, da relação com os comandantes, pode ser entendido assim. Mas do ponto de vista institucional, das Forças Armadas, não, porque o presidente tema prerrogativa de fazer isso. É um dos poderes dele. Na cabeça do militar, vai ser analisado sempre da seguinte forma: isso é legítimo do ponto de vista legal? Goste-se ou não, é.

A questão é que as razões pelas quais o presidente fez isso parecem ir além da relação pessoal. Estariam mais ligadas a coisas que o presidente queria que fossem feitas, como acomodar o ex-ministro Pazuello ou manifestações contra decisões do STF sobre o lockdown.

Para comentar isso, eu teria que imaginar que os próximos comandantes aceitariam uma proposta de ilegalidade, e nisso não acredito. A substituição pode ter a ver com o fato de o presidente estar incomodado com alguma coisa e buscar ter um relacionamento mais fácil com os chefes das Forças. Mas daí a acharque vai mudar aposição das Forças Armada sem relação aseu papel institucional vai um agrande distância.

Há uns dias, o presidente disse que “meu exército não vai cumprir lockdown”. O general Fernando Azevedo disse a aliados que saiu porque não queria repetir o mês de maio de 2020, quando houve as manifestações por intervenção militar. Na carta de demissão, ele fez questão de registrar que defendeu as instituições de Estado. Isso não denota uma preocupação com o que pode acontecer com essas instituições?

Eu não conheço as razões do general Fernando, como não conheço as razões dop residente, ma sele( o general Fernando) foi muito feliz nas palavras ena condução do Ministério da Defesa. N acarta, ele deixa uma síntese da ação dele. Se botou isso, é porque foi importante para ele. Veja que ele salienta na nota o agradecimento aos comandantes pelo que fizeram na área humanitária. Ele achou issotã oim portante aponto dese rum parágrafo na nota de despedida.

O senhor diz que o Exército não vai assumir um papel político. Se houver impasse institucional, a quem caberá resolver?

O Exército vai se manter como sempre esteve esse tempo todo: longe de qualquer papel político. Numa situação hipotética, se houver um impasse institucional, a solução será institucional. As Forças Armadas não têm legitimidade para isso. Nem querem, nem eu acredito que entrassem numa aventura assim. Qualquer solução terá de ser imposta por um dos poderes, particularmente o Congresso e a Justiça. Éo Judiciário quem temacap acidade de tomar decisões desse tipo, e o Congresso, de editar leis. As Forças Armadas só agirão se forem convocadas. Não vão para a rua defender ninguém politicamente.

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Entrevista - Carlos Alberto dos Santos Cruz: "Não há explicação plausível para a troca de comandantes"

31/03/2021

 

 

Carlos Alberto dos Santos Cruz/ GENERAL

Existem sinalizações de que o presidente Bolsonaro já estava insatisfeito com as Forças Armadas, especialmente com o comandante do Exército. O senhor acha que existiam conflitos anteriores?

Minha perguntaéa seguinte, (Bolsonaro) estava insatisfeito porquê? Oque está acontecendo de errado no Exército? Nada. Sós e for pelo seu gosto pessoal, asu amani a pessoal ... Aí,éo utra coisa. Os comandantes das Forças estavam cumprindo com as funções deles, de acordo com a Legislação. São pessoas que vêm de dentro da instituição. Cada um deles tem quase 50 anos dentro da sua instituição. Cada um deles passou por dezenas de avaliações dentro da sua instituição. É completamente diferente de um ministro, que pode ser de fora daquele órgão; os comandantes militares, não.

É plausível a justificativa de que a troca ocorre apenas por causa da mudança no Ministério da Defesa?

A reforma política é normal, vários governos fazem, mas não tem nada a ver com comandante militar. Comandante militar não faz parte dessa primeira camada política. Eles não fazem parte, são elementos operacionais, com uns 40, quase 50 anos na sua profissão. E aí é exonerado no mesmo nível de uma camada política, sem qualquer explicação. Isso aíéfalt ade consideração pessoal e funcional.

Esse tipo de demissão ocorreu em outros casos no governo, inclusive no do senhor...

No meu caso, eu não dou bola. Pessoalmente, eu não dou bola. Op roble maéafalt ade consideração institucional. Issoé um desrespeito, uma ofensa ao Exército, à Marinha, à Aeronáutica.

E com essa mensagem que o general Fernando Azevedo deixou ao sair de que o papel das Forças Armadas é de Estado, o senhor avalia que houve uma pressão do presidente para ir além disso de alguma forma?

Não sei. Acho que é uma mensagem bem institucional, na qual ele destacou, resumiu qual foi o esforço dele, o perfil institucional das Forças Armadas. Isso não quer dizer tecnicamente que tenha havido uma tentativa de quebrar isso daí. Uma tentativa de quebrar isso daíéa politização das Forças Armada se a subversão da coesão necessária para as Forças. As Forças Armadas não é órgão de governo, é órgão de Estado, instituição de Estado. Qualquer tentativa de politização é subversão da hierarquia, da disciplina que tem que ter. Forças Armadas nãoé ferram entapara fazer pressão política, nãoép ara isso. As Forças Armadas têm uma destinação constitucional.

O senhor acha que existe um desgaste que vem de mais tempo entre as Forças Armadas e o presidente Jair Bolsonaro?

Não vejo desgaste. Desgaste por quê? As Forças Armadas estavam cumprindo o seu papel. Estão cumprindo o seu papel de acordo coma Constituição. Não tem razão para se supor desgaste.

E divergências dos comandantes com o presidente Bolsonaro?

Não...

Talvez não tinha um alinhamento da forma como o presidente gostaria?

Não tem que ter alinhamento (com o governo). Ela tem uma destinação constitucional, tem que cumprira função constitucional dela. Alinhamento é conversa fiada.