O Globo, n.32010 , 28/03/2021. Sociedade, p.16

 

O que sentem as vítimas na agonia da fila por um leito

Ana Lucia Azevedo

28/03/2021

 

 

Além da falta de ar, fadiga extrema e desorientação são algumas das sensações

Falta o ar,a sensação é de afogamento. Mas o corpo é aprisionado por extrema fadiga, e levantar-se da cama fica impossível. O cérebro, com pouca oxigenação e desorientado por gás carbônico não eliminado, já não raciocina como antes e vem a desorientação. Muitas vezes, a pessoa mal consegue expressar a dor e pedir socorro. A agonia das vítimasdaCovid-19gravequenão conseguem tratamento é brutal, afirma a pneumologista e pesquisadora da Fiocruz Margareth Dalcolmo.

A médica, uma das pioneiras no combate à Covid-19 no Brasil, diz que um do aspectos mais assustadores é o agravamento súbito de formas leves, quase sempre por volta do nono dia após o surgimento dos sintomas. Aí é preciso tentar prevenir o pior, com drogas que contenham trombos e inflamações. Porém, no momento, com a rede de saúde colapsada, muitos não têm essa chance e se veem entregues.

—Não há mais vagas em lugar algum, tanto na rede pública quanto na privada. Em muitos lugares, não tem nem mais caixão para vender. As pessoas precisam entender que, se adoecerem, vão sofrer sem ajuda. A Covid-19 sufoca, dói. Quando alertávamos que era preciso proteger a população, era para evitar isso —destaca Dalcolmo. Quanto mais idade, obesidade e comorbidades, como doenças cardiovasculares e diabetes, maior o risco de agravamento. Mas Dalcolmo diz que gente jovem e sem nenhum risco aparente tem adoecido severamente:

—A transmissão é tamanha que o vírus está pegando todos os vulneráveis em seu caminho. Mas nem eles nem nós sabemosquemsão,atéqueencontrem o coronavírus.

CASCATA INFLAMATÓRIA

“Doutora, não estou me reconhecendo. Estou confusa. O que eu faço?” A pergunta feita por uma paciente de Dalcolmo na semana passada está longe de ser exceção. Pacientes ficam confusos e desorientados, seja pelo ataque ao sistema respiratório seja porque em alguns casos o Sars-CoV-2 pode afetar o sistema nervoso central. E confusos e desorientados esperam sua vez em UPAs lotadas, internados em cadeiras, agonizando em leitos de emergência. A sensação de quem tem o pulmão tomado pela Covid-19 é a de quem se afoga. Busca-se o ar, mas só há o desespero dos que sufocam para quem aguarda sentado no desconforto de uma cadeira de hospital. Por vezes, nem isso. E o doente piora e morre em casa.