O Globo, n.32010 , 28/03/2021. País, p.13
Países da América do Sul ignoram Lei de Segurança Nacional
Janaína Figueiredo
28/03/2021
Ao contrário do Brasil, Argentina e Paraguai revogaram dispositivos da ditadura; Uruguai nunca teve legislação similar
—Em 1988, foi aprovada a Lei de Defesa Nacional, que prevê normas em caso de agressões militares externas. Em 1991, a Lei de Segurança Interior. Foram separadas de forma muito clara a segurança externa da defesa nacional, que deixou de estar em mãos dos militares — explica Trufo. Nenhuma das duas legislações inclui questões relacionadas a eventuais atentados à moral de autoridades, ou delitos como calúnia e injúria. A Argentina tem, ainda, uma lei sobre estado de sítio, que determina que, em caso de comoção interior, o governo deve contar com autorização do Congresso para suspender direitos e garantias individuais.
No governo do ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019), o Cels e outras ONGs denunciaram o suposto abuso governamental na perseguição de críticos do presidente, utilizando o delito de intimidação pública, previsto no Código Penal. Foi o caminho escolhido para denunciar os responsáveis por críticas e até ameaças nas redes sociais.
— Nenhum dos processos prosperou. Foram claras tentativas do Executivo de intimidar opositores — disse o especialista do Cels. No Paraguai, hoje governado por Mario Abdo Benítez, tampouco existe uma lei similar à brasileira. A Constituição de 1992 impede que o país tenha uma legislação que restrinja a liberdade de expressão, comenta o advogado Jorge Rolón, professor de Direito à Informação da Universidade Católica de Assunção: — Imediatamente após a queda da ditadura de Stroessner (1954-1989), todas as leis aprovadas durante o regime militar sobre segurança interna foram revogadas. Nossa Constituição tem normas que, em alguns casos, são superior às da Convenção Interamericana de Direitos Humanos.
CÓDIGO PENAL É O RECURSO
No vizinho Uruguai, a situação é similar. O país nunca teve dispositivo parecido à lei brasileira de Segurança Nacional, nem mesmo durante a ditadura (1973-1985). A analista política uruguaia Mariana Pomies lembra que seu país é um reconhecido defensor da liberdade de expressão e nele “é muito malvista qualquer pessoa, ou autoridade, que busque limitar esse direito”.
— O Uruguai é muito cuidadoso, e todos os presidentes sempre foram muito cuidadosos em relação ao respeito à liberdade de expressão —afirma a analista. Por lá, como no Chile e no Equador, quando alguma autoridade decide tentar punir organizações ou críticos individuais, recorre ao Código Penal.
— Tivemos uma Lei de Segurança Nacional, mas foi revogada há muitos anos. O presidente (chileno) Sebastián Piñera já foi acusado de tudo, mas é raríssimo por aqui ver alguma reação como o que observamos no Brasil — diz Iván Witker, professor da Universidade do Chile. Em um episódio recente, o deputado comunista Hugo Gutiérrez foi denunciado pelo governo por ter divulgado um desenho no qual crianças aparecem disparando contra o presidente.
Depois de uma intensa polêmica, Gutiérrez se apresentou voluntariamente aos tribunais e pediu para ser investigado. No Equador, país que teve sua última ditadura entre 1976 e 1979, o analista Diego Pérez Enríquez comenta que governos recentes, sobretudo o do ex-presidente Rafael Correa (2007-2017), utilizaram leis sobre meios de comunicação para intimidar críticos.
—Nosso Código Penal prevê sanções em casos de ofensas, mas não tem sido utilizado —aponta o analista. O caso brasileiro é, claramente, uma exceção à regra no continente. Países que também tiveram ditaduras e, posteriormente, reformaram suas constituições (o Chile será o último a fazê-lo), deixaram no passado leis que limitam direitos considerados fundamentais.