O Globo, n.32008 , 26/03/2021. Mundo, p.23

 

Entrevista – Yang Wanming: "Brasil é lider entre 50 países que recebem vacinas e insumos"

26/03/2021

 

 

Procurado por parlamentares e integrantes do governo do presidente Jair Bolsonaro para que ajude o Brasil a receber mais vacinas e outros produtos usados no combate à Covid-19, o embaixador chinês em Brasília, Yang Wanming, afirma que os brasileiros são parceiros prioritários da China e continuarão sendo contemplados, apesar do grande desequilíbrio entre a oferta e a demanda de insumos e imunizantes no mundo. Segundo o diplomata, essa parceria não se limita apenas a uma atuação contra a pandemia de coronavírus, mas se estende também a ações e investimentos previstos por Pequim no 14º Plano Quinquenal, recém-aprovado para os próximos cinco anos. O embaixador preferiu não falar sobre o chanceler Ernesto Araújo.

Como a China vem colaborando com o Brasil e outros países latino-americanos no combate à pandemia?

Desde o início da pandemia, a China trata o Brasil como parceiro prioritário no enfrentamento do problema. Em diálogos mantidos por telefone e correspondência, o presidente Xi Jinping e o presidente Jair Bolsonaro alcançaram importantes consensos sobre o combate à Covid-19 e as cooperações pragmáticas. O governo e o empresariado da China doaram ao Brasil cerca de R$ 60 milhões em materiais. O lado chinês auxiliou o Brasil na compra de 1.200 toneladas de suprimentos de saúde na China e organizou mais de 20 videoconferências entre equipes médicas. A parceria em vacina também registrou grandes avanços. Essa parceria é um resumo da solidariedade entre a China e a América Latina no enfrentamento. Desde o início da pandemia, a China doou à região mais de 34 milhões de unidades de insumos e equipamentos médicos, realizou mais de 40 videoconferências para troca de experiências e fornece vacinas a 12 países latino-americanos. Em vez de perder força, a cooperação China-América Latina se torna cada vez mais robusta na pandemia.

A situação do Brasil é dramática. A China pode ajudar mais do que já tem feito, em nome dessa parceria?

Há um grande desequilíbrio entre a oferta e a demanda de vacinas no mundo, com uma significativa escassez da capacidade de produção. A procura interna da China também é enorme. Mesmo assim, sensibilizados com as preocupações do lado brasileiro, estamos garantindo que os fabricantes chineses possam entregar o IFA (ingrediente farmacêutico ativo) para as vacinas da Sinovac e da AstraZeneca conforme os contratos. A China já entregou o equivalente a 56 milhões de doses de vacina e insumos ao Brasil, e o número vai crescer. Em termos de volume e velocidade de entregas, o Brasil está à frente dos quase 50 países que compram vacinas ou IFA da China. Defendemos que as vacinas chinesas são um bem público e estamos facilitando contatos entre o lado brasileiro e as outras farmacêuticas chinesas.

Qual a posição da China sobre a proposta de quebra temporária de patentes para produtos usados no combate à Covid-19, apresentada pela Índia e a África do Sul, que está em discussão na OMC?

A quebra temporária de patente para vacinas contra a Covid-19 é uma questão técnica que está sendo discutida na OMC. Ao mesmo tempo, a China tem honrado o compromisso do presidente Xi Jinping de tornar suas vacinas um bem público global. Estamos fazendo esforços para garantir a acessibilidade de vacinas a toda a comunidade internacional, sobretudo os países em desenvolvimento. Até agora, doamos ou estamos doando vacinas a 80 países em desenvolvimento com necessidades urgentes, além de exportar imunizantes a quase 50 países. Somos contra o “nacionalismo de vacina” e qualquer tentativa de politizar a cooperação em imunizantes.

Pela primeira vez, desde 2006, a China não emprestou dinheiro para governos latino-americanos. É uma tendência?

A América Latina é o segundo maior destino dos investimentos chineses, só atrás da Ásia. A China abriu mais de 2.500 empresas na América Latina, investiu mais de US$ 430 bilhões e criou mais de 1,8 milhão de empregos em termos cumulativos. As duas partes também desenvolveram cooperação financeira. No pacote dos US$ 35 bilhões de linha de crédito para a região, US$ 22 bilhões já foram efetuados, beneficiando nada menos de 110 projetos em 20 países latino-americanos e caribenhos. No ano passado, a pandemia, de fato, dificultou a troca de visitas empresariais, as negociações comerciais e visitas técnicas a projetos. Contudo, esse impacto é momentâneo e pontual. Os dois lados continuarão a promover a parceria em investimentos e financiamento de forma em benefício mútuo.

O Brasil continua sendo um país atraente para os investimentos chineses?

A China é um dos principais investidores no Brasil. A China tem no Brasil um investimento de mais de US$ 80 bilhões, criando mais de 40 mil empregos diretos. No ano passado, mesmo com a pandemia, as empresas chinesas aumentaram seus investimentos em projetos de infraestrutura, novas energias, agricultura e outros campos.

Qual o impacto do 14º Plano Quinquenal da China nas relações com o Brasil?

Uma China com maior demanda de mercado, maior ritmo de inovação e maior nível de abertura trará mais oportunidades para a parceria sino-brasileira. Em mais uma década, estima-se que a classe média crescerá dos atuais 400 milhões para 800 ou 900 milhões e que o país importará mais de US$ 22 trilhões em mercadorias em termos cumulativos. Daqui a 15 anos, o PIB per capita deve dobrar. Tudo isso certamente propiciará ao Brasil um maior espaço para seus produtos, tecnologias e serviços de qualidade. Já no que diz respeito a investimentos, o país vai reduzir ainda mais a lista negativa de acesso ao investimento estrangeiro, abrir de forma ordenada o setor de serviços e proteger os direitos e interesses legítimos de empresas estrangeiras conforme a lei. Convidamos mais empresas brasileiras a expandir seus investimentos na China. Além disso, os dois países também podem fortalecer a cooperação em inovação tecnológica e indústrias verdes e de baixo carbono. Devemos expandir a fronteira da nossa cooperação pragmática para novos campos, como inteligência artificial, Internet das Coisas, 5G, cidades inteligentes e biotecnologia.