O Globo, n.32007 , 25/03/2021. País, p.4

 

Tiro pela culatra

Bruno Goés

Daniel Gullino

Paulo Cappelli

Jussara Soares

Filipe Vidon

25/03/2021

 

 

 Recorte capturado

Desalinho em comitê faz Lira subir tom com Bolsonaro e citar cremédios amargos”

Convocada pelo presidente Jair Bolsonaro para tentar diminuir o desgaste do governo federal no combate à pandemia de Covid-19, a reunião no Palácio da Alvorada com presidentes de outros Poderes e governadores terminou por ampliar a insatisfação do meio político. Chefes de executivos estaduais excluídos do comitê formado para debater a crise criticaram o formato da iniciativa, e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) fez, pela primeira vez, um duro discurso no fim do dia cobrando mudança de postura do governo, referindo-se indiretamente até à possibilidade de impeachment. Ele disse que o Congresso tem “remédios políticos amargos, alguns fatais”.

A reunião em si já explicitou divergências, com Bolsonaro insistindo na defesa do “tratamento precoce” com medicamentos sem eficácia comprovada contra a doença e na crítica a medidas restritivas adotadas por estados e municípios para tentar conter a transmissão do novo coronavírus. Representantes dos demais Poderes ponderaram que a palavra final sobre o assunto é da comunidade científica. O ponto de consenso foi sobre a necessidade de vacinação em massa, mas sem que medidas concretas tenham sido efetivamente tomadas.

A criação de um comitê para tentar unificar políticas de combate à pandemia foi anunciada, mas o fato da coordenação ter sido entregue ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEMMG), evidenciou a dificuldade de interlocução do Planalto com governadores. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, informou que não participará, visto que a Corte pode ser chamada a analisar medidas futuras.

Na fala após a reunião, Bolsonaro defendeu a vacinação em massa, afirmou que o encontro mostra que não haverá “politização” no combate à pandemia, mas deixou os presentes desconfortáveis ao falar sobre o “tratamento precoce”:

— A unanimidade é a intenção de nós, cada vez mais, nos dedicarmos à vacinação em massa. Tratamos também de possibilidade de tratamento precoce, e isso fica a cargo do ministro da Saúde, que respeita o direito e o dever do médico off-label tratar os infectados.

Com a atribuição de coordenar o comitê, Pacheco deixou claro a necessidade de o governo federal liderar o processo:

— Essa união significa um pacto nacional, liderado por quem a sociedade espera que lidere, que é o senhor presidente da República, Jair Bolsonaro, já com a compreensão de que medidas precisam ser urgentemente tomadas.

PRESSÃO DO CONGRESSO

Insatisfeito com o resultado do encontro e após uma pressão crescente de líderes partidários e a avaliação de aliados de que era preciso descolar a Casa do presidente, Lira subiu o tom em um pronunciamento feito na tribuna da Câmara no fim do dia.

— Estou apertando hoje um sinal amarelo para quem quiser enxergar: não vamos continuar aqui votando e seguindo um protocolo legislativo com o compromisso de não errar com o país se, fora daqui, erros primários, erros desnecessários, erros inúteis, erros que são muito maiores do que os acertos cometidos continuarem a serem praticados — discursou Lira, que defendeu diálogo, mas prosseguiu fazendo alertas.

—Mas será preciso que essa capacidade de ouvir tenha como contrapartida a flexibilidade de ceder. Sem esse exercício, a ser praticado por todos, esse esforço não produzirá os resultados necessários. Os remédios políticos no Parlamento são conhecidos e são todos amargos. Alguns, fatais. Muitas vezes são aplicados quando a espiral de erros de avaliação se torna uma escala geométrica incontrolável. Não é esta a intenção desta presidência. Preferimos que as atuais anomalias se curem por si mesmas, frutos da autocrítica, do instinto de sobrevivência, da sabedoria, da inteligência emocional e da capacidade política.

Governadores excluídos da conversa — e que também não devem participar do comitê decorrente do encontro —criticaram a forma como o governo federal propõe o diálogo.

—O Brasil quer vacinação, o Brasil não quer comitê de adulação e disso não participo — afirmou o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), desafeto de Bolsonaro.

Wellingon Dias (PT), governador do Piauí, foi na mesma linha:

— Fiquei animado com a possibilidade de criação do comitê, mas, pelo relato de pessoas que estavam na reunião, a perspectiva é de pouca mudança. O comitê ficou sem estados e municípios, então mantém desintegração, terceirizando para o senador Rodrigo Pacheco a relação com governadores para tratar da rede de saúde, da falta de insumos, da estratégia de prevenção e vacinação... Ou seja, não vai dar certo.

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Pazuello diz que perdeu cargo por pressão política

Carolina Brígido

Daniel Gullino

Jussara Soares

Leandro Prazeres

25/03/2021

 

 

Em vídeo, ex-ministro afirma que se recusou a atender pedidos de verba; inquérito contra ele foi enviado à 1ª instância

Em vídeos revelados ontem pela revista “Veja” e obtidos pelo GLOBO, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello diz que perdeu o cargo por pressão política. Ele afirma que, junto com sua equipe, foi pressionado por uma “liderança política” para atender a uma série de demandas. Segundo Pazuello, no auge da pressão, ele chegou a avisar integrantes do ministério que não chegaria ao dia 20 deste mês como ministro.

No total, foram oito gravações em que Pazuello faz um discurso ao lado do novo ministro, Marcelo Queiroga. Em um deles, o militar diz que o Ministério da Saúde é alvo de pressões políticas por conta do volume de recursos que movimenta. Ele admitiu a distribuição de verbas com fins políticos:

— Então a operação de grana com fins políticos acontece aqui. Acabamos com 100%? Claro que não: 100% nem Jesus Cristo. Nós acabamos com muito.

O ministro deu a entender que foi a pressão pela liberação de recursos com fins políticos que resultou em sua queda.

— Ali começou a crise com a “liderança política que nós temos hoje, que nos mandou uma relação para a gente atender e nós não atendemos. (...) Aí chegou no final do ano, uma carreata de gente pedindo dinheiro politicamente. (...) —disse Pazuello, que passou a afirmar que seguiu critérios técnicos para distribuição dos recursos. — Foi outra porrada, porque todos queriam um pixulé no final do ano —disse Pazuello, se dirigindo ao seu substituto.

Ontem, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a transferência para a Justiça comum do Distrito Federal do inquérito que investiga Pazuello. O caso foi aberto a partir da crise na saúde pública de Manaus, que registrou falta de oxigênio medicinal em hospitais em janeiro. Lewandowski explicou na decisão que, como Pazuello deixou o cargo, perdeu também o direito ao foro privilegiado.