Valor Econômico, n. 5199, v.21, 03/03/2021. Brasil, p.A2

 

 

Fiscalização nas saídas de Manaus é quase inexistente

 

 

Nem temperatura dos passageiros nos aeroportos, rodoviária ou portos da cidade é acompanhada

Por Liege Albuquerque — Para o Valor, de Manaus

 

 

O Ministério da Saúde e o governo do Amazonas têm parte da responsabilidade pela variante B1 da covid-19 se espalhar pelo Brasil, de acordo com o epidemiologista da Fiocruz Amazônia Jesem Orellana.

 

Diferentemente do que aconteceu no Reino Unido nesta semana, em que pacientes com a nova cepa brasileira do coronavírus foram imediatamente isolados, no Amazonas pessoas doentes começaram a ser transferidas para outros Estados,, logo após o colapso nos hospitais pela falta de oxigênio, no dia 14 de janeiro, sob ordem do ministério e orquestrado pelo governo estadual.

 

“Não é coincidência grandes cidades colapsando, como Porto Alegre e São Luis, 20 dias depois desse envio massivo de pacientes com a nova variante”, destacou Orellana. “Claro que essa distribuição da nova cepa não foi só dessa forma, mas também pela falta de fiscalização nos voos de carreira, onde pessoas infectadas saíram da cidade com medo de não encontrarem hospital em agravamento. Todo o problema teria sido evitado com montagem de hospital de campanha em Manaus e vigilância epidemiológica e sanitária efetiva nos portos e aeroportos.”

 

A crise da falta de oxigênio em Manaus, que durou pelo menos dez dias e está sendo sanada pela produção em dobro do gás pela White Martins, construção de usinas próprias em hospitais ou doações coincidiu com o surgimento da nova cepa, mais infecciosa, no Amazonas.

 

A Fiocruz publicou, no dia 13 de fevereiro, nota técnica descrevendo a nova variante em estudo que sugere que “as cepas, detectadas em viajantes japoneses que tinham passado pela região amazônica, evoluíram de uma linhagem viral no Brasil, que circula no Amazonas. (...) Os achados apontam ainda que a mutação detectada na variante B1 é um fenômeno recente, provavelmente ocorrido entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021”.

 

Segundo a Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (SES), de 15 de janeiro a 10 de fevereiro deste ano, 542 pacientes com covid-19 foram transferidos para outros Estados. Até a tarde de segunda-feira, 369 haviam retornado ao Amazonas. Receberam pacientes os Estados de Alagoas, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Maranhão, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Tocantins, além do Distrito Federal.

 

No aeroclube de Manaus, os voos de UTIs aéreas saem pelo menos quatro vezes por semana, segundo a administração do aeroporto particular. A Infraero, que administra o aeroporto internacional de Manaus, informou que a fiscalização sobre a covid-19 cabe à Anvisa e às companhias aéreas. Mais de 50 voos deixam Manaus por semana com destino a outros Estados e ao exterior (Estados Unidos, Argentina, Venezuela e Panamá).

 

Em janeiro, 156 mil pessoas saíram de Manaus pelo aeroporto internacional. O mês de fevereiro ainda não está contabilizado, segundo a Infraero.

 

De acordo com a Anvisa, não é aferida a temperatura dos passageiros nos aeroportos, rodoviária ou portos de Manaus. Em nota, a agência informa que a fiscalização sanitária em todo o Brasil segue o mesmo padrão, “com orientações sobre sinais e sintomas da covid-19 e cuidados básicos como lavagem regular das mãos, uso de máscaras, cobertura da boca e nariz ao tossir e espirrar e distanciamento social de um metro”.

 

Desde janeiro, o governo do Amazonas vem publicando semanalmente novos decretos flexibilizando cada vez mais o “lockdown” parcial no Estado. Na semana passada, permitiu a abertura de shoppings, academias e marinas para conserto e reparos de barcos. Viagens de barcos dos portos de Manaus para o interior do Amazonas ou outros Estados nunca foram proibidas. Desde novembro nenhum navio de cruzeiro internacional atracou na cidade.

 

Nos portos de Manaus não há nenhuma fiscalização sobre passageiros que embarcam em navios intermunicipais ou interestaduais. No porto Manaus Moderna, o mais movimentado, em qualquer horário do dia é possível ver pessoas sem máscara carregando bagagens.

Segundo a Capitania dos Portos, cerca de 30 barcos partem de Manaus diariamente, com circulação diária de cerca de 3 mil pessoas. Durante uma semana, em janeiro, o Pará proibiu a atracagem em seus portos de barcos provenientes do Amazonas.

 

Também na rodoviária de Manaus a circulação de pessoas sem máscaras é comum, embora sejam obrigadas a usá-las para embarcar nos ônibus. Há ônibus para os Estados de Roraima, Acre e Rondônia e para a Venezuela com horários diários. Segundo a administração da rodoviária, ainda não foram fechados os números de passageiros que viajaram neste ano, mas pelo menos mil pessoas circulam pelo local diariamente. Os passageiros não têm sua temperatura aferida.

 

Desde o início da pandemia, um grupo de pesquisadores da Universidade do Estado do Amazonas (Ufam) monitora casos de covid-19 no Amazonas. Os dados publicados em 28 de fevereiro apontam que houve redução de 19% na média de novos casos nesta última semana em relação a 14 dias atrás. A média da última semana, de 1.505 casos por dia, ainda é 2,2 vezes maior que a na primeira semana de dezembro.

 

Segundo boletim da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM), foram registrados ontem 1.576 novos casos no Estado, totalizando 318,2 mil confirmações da doença, com 74 óbitos registrados - já são 11 mil desde o início da pandemia.

 

Há 1.053 pacientes internados, sendo 588 em leitos (112 na rede privada e 476 na rede pública), 452 em UTI (135 na rede privada e 317 na rede pública) e 13 em sala vermelha, estrutura voltada à assistência temporária para estabilização de pacientes críticos/graves para posterior encaminhamento a outros pontos da rede de saúde.

 

Há ainda outros 201 pacientes internados considerados suspeitos e que aguardam a confirmação do diagnóstico. Desses, 148 estão em leitos clínicos (26 na rede privada e 122 na rede pública), 33 estão em UTI (cinco na rede privada e 28 na rede pública) e 20 em sala vermelha.