Valor Econômico, n. 5197, v.21, 01/03/2021. Política, p.A8

 

 

Magistrados mobilizam-se para barrar mudanças contidas na PEC emergencial

 

Para presidente da AMB, ofensiva deve-se à derrota da ação que liberava a recondução dos presidentes das Mesas

Por Maria Cristina Fernandes — De São Paulo

 

A votação da PEC emergencial, marcada para amanhã no Senado, acirrou os ânimos na elite do funcionalismo público. O substitutivo do relator Márcio Bittar (MDB-AC) manteve artigos do texto original que reduzem a margem de manobra orçamentária do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Tribunal de Contas e Legislativo para além do congelamento de salários previsto para todo o funcionalismo.

 

As dotações orçamentárias desses órgãos são liberadas em 12 parcelas ao longo do ano, os chamados duodécimos. Quando os gestores não gastam a totalidade dos recursos, as sobras são destinadas a fundos financeiros que custeiam despesas extras desses órgãos ao longo do ano. Com a nova PEC, essas sobras serão devolvidas ao Tesouro.

 

A não devolução implicará a dedução na transferência do mês subsequente (duodécimo). A determinação está prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal mas nunca foi cumprida. Por isso, o Executivo resolveu abrigá-la na Constituição. As mudanças acolhidas pelo relator estão contidas no artigo 168.

 

A outra mudança alvo da pressão é aquela que prevê um contingenciamento de despesas naqueles órgãos correspondente ao aplicado às despesas do Executivo. Hoje, mesmo na ocorrência de frustração de receita, os duodécimos da dotação orçamentária dos órgãos são mantidos incólumes, sendo o contingenciamento arcado unicamente pelo Poder Executivo.

 

 

Esta é uma velha demanda dos técnicos do Tesouro que já havia sido tentada pelo chamado “Plano Mansueto”, como se chamou a proposta do ex-secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, e só agora foi consubstanciada na proposta ora em tramitação.

 

As corporações mobilizaram os parlamentares até o fim da quinta-feira, 25, quando se concluiu o prazo para emendas à PEC. A Associação dos Magistrados do Brasil, por exemplo, negociou duas emendas, com os senadores Lucas Barreto (PSD-AP) e Major Olímpio (PSL-SP), para reverter a mudança.

 

Renata Gil, presidente da AMB, atribui a ofensiva contra o Judiciário às rusgas decorrentes da derrota da ação que liberava a recondução dos presidentes das Mesas Legislativas dentro da mesma legislatura.

 

“A disposição de mexer já existia, mas a animosidade cresceu com a derrota da não recondução dos presidentes das Casas”, diz Renata.

Seu argumento parte do pressuposto de que se trata de uma ofensiva contra o Poder Judiciário que hoje tem, na presidência do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux. Único juiz de carreira da Corte, Fux tem sido um aliado das pautas da corporação e é por ela defendido. Fux foi um dos ministros que votaram contra a recondução nas Mesas, uma guinada nas negociações entabuladas em torno do tema. Ao atingir a corporação da qual é egresso, ainda que seja a justiça estadual a mais afetada, o texto atingiria, por tabela, seu principal representante na Corte máxima do país.

 

Ao argumento contrapõe-se o fato de que a mudança veio no texto original do Executivo, não foi alterado no Congresso. Considere-se ainda que a dupla Arthur Lira-Rodrigo Pacheco no comando das Casas é fruto da posição à qual se alinhou o presidente do STF e não o inverso.

 

De toda forma, há, de fato, um movimento em curso para desidratar instituições que, em maior ou menor grau, contribuíram para a Lava-Jato. Além do Ministério Público e do Judiciário, a Receita também terá recursos desvinculados. O presidente da União Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco), Mauro Silva, disse ao Valor, na edição de 25 de fevereiro, que acredita na motivação política da desvinculação. A Receita é o órgão de origem de Roberto Leonel, o auditor que colaborou com a operação e foi escolhido pelo ex-ministro Sergio Moro para a presidência do Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf).

 

 

 

 

_________________________________________________________________________________________________________________________

 

 

 

 

Municípios seriam os mais prejudicados

 

Relator da PEC tem sido criticado dentro do governo, apesar do apoio que tem dado à equipe econômica

Por Fabio Graner — De Brasília

 

 

 

A equipe econômica vê os municípios como maiores prejudicados com a retirada da desvinculação dos pisos de gastos com saúde e educação. Por isso, embora desejasse a medida, a sua saída do relatório do senador Márcio Bittar (MDB-AC) não chega a ser um incômodo. A questão é se o governo conseguirá aprovar o restante do seu pacote fiscal que está na PEC emergencial.

 

Uma fonte graduada explica que a vinculação atualmente acaba tirando a flexibilidade dos gestores, provocando ineficiências por conta do perfil etário dos municípios, que em alguns casos demandam mais gastos em saúde e outros em educação.

 

Outro exemplo, segundo um interlocutor, é o caso do Acre (Estado de Bittar na Região Norte), que tem enchentes recorrentes, com escolas fechadas, mas não pode alocar parte dos seus recursos para outras finalidades, pois há um mínimo constitucional a ser observado.

 

Há no governo quem critique a articulação de Bittar na construção do relatório, apesar do apoio incondicional que ele tem mostrado à equipe econômica. A leitura é que o texto, sem uma costura política eficiente, acabou estressando o debate para além do que seria desejável dentro do conceito de “bode na sala” e que o erro teria sido do senador.

 

Apesar disso, o Ministério da Economia ainda acredita na aprovação da PEC com seu núcleo fiscal e a retomada do auxílio emergencial fora do teto e das demais regras fiscais. A intenção é fazer um corpo a corpo nos próximos dias até a próxima semana para convencer os senadores da necessidade de aprovar o pacote todo, tirando a pressão dos preços dos ativos, especialmente dos títulos públicos.

 

A incógnita nesse processo tem sido o papel do presidente Jair Bolsonaro. Ele era refratário às medidas impopulares da PEC Emergencial, em suas versões mais radicais dos 3 D (desvincular, desindexar e desobrigar), mas fontes relatam que ele deu aval ao texto mais recente nos bastidores. Publicamente, contudo, ele ainda não se posicionou claramente (apenas defendeu genericamente a responsabilidade fiscal) e há quem avalie que ele só vai defender a PEC se perceber que há consenso para seu avanço, para não ficar com o ônus de uma derrota política em tema impopular.

 

Em meio às dúvidas sobre o andamento do processo, o Tesouro Nacional usou números para mostrar que a incerteza fiscal voltou a custar caro para o país. A ideia é pressionar o Congresso a aprovar o pacote completo (auxílio e ajuste), para conter os riscos de uma deterioração ainda maior nos preços dos títulos.

 

Ontem à noite, o presidente Jair Bolsonaro reuniu-se com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Também participaram do encontro os ministros Paulo Guedes (Economia). Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Eduardo Pazuello (Saúde) e Walter Souza Braga Netto (Casa Civil). A reunião aconteceu no Palácio da Alvorada e não constava na agenda oficial de nenhuma das autoridades.

 

Em suas redes sociais, Bolsonaro postou uma foto ao lado dos ministros e dos chefes do Poder Legislativo. Na imagem, apenas Guedes, Pacheco e Lira aparecem usando máscara.

 

De acordo com Bolsonaro, os assuntos tratados durante o encontro foram a vacina, a retomada do auxílio emergencial e a PEC emergencial. Emprego e situação da pandemia também foram temas da conversa. (Colaborou Marcelo Ribeiro)