O Globo, n.32006 , 24/03/2021. Sociedade, p.12

 

Bolsonaro distorce dados e promete vacina para todos

Julia Lindner

Jussara Soares

Daniel Gullino

Renata Mariz

24/03/2021

 

 

Em meio a panelaço pelo Brasil e sem mencionar pico de mortes, presidente diz que população será imunizada em 2021

Depois de dar posse ao novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, em cerimônia fechada, o presidente Jair Bolsonaro fez um pronunciamento em cadeia de rádio e televisão no qual distorceu e omitiu informações para defender o desempenho do governo durante a pandemia da Covid-19. Em meio a panelaços pelo país, ele afirmou que os imunizantes estão “garantidos”, mas não tratou de atrasos no cronograma. Diferentemente de falas anteriores, evitou criticar o distanciamento social e não citou o uso de medicamentos sem eficácia comprovada.

No auge da crise sanitária, Bolsonaro prestou solidariedade aos familiares daqueles que morreram em decorrência do novo coronavírus. A fala ocorre no dia em que o Brasil ultrapassou 3 mil óbitos pela doença em 24 horas, somando quase 300 mil vítimas fatais. Os números não foram mencionados pelo presidente.

— Quero tranquilizar o povo brasileiro e afirmar que as vacinas estão garantidas. Ao final do ano, teremos alcançado mais de 500 milhões de doses para vacinar toda a população. Muito em breve, retomaremos nossa vida normal.

Bolsonaro prometeu que em poucos meses o Brasil será autossuficiente na produção de vacinas contra o novo coronavírus e, assim, poderá imunizar os brasileiros todos os anos.

Na fala, ele destacou que o país é o quinto que mais vacinou no mundo, quantia que se refere apenas aos números absolutos. Proporcionalmente, o país é o 60º no ranking mundial de doses aplicadas, segundo dados do Our World in Data.

Após receber críticas sobre atrasos no cronograma de vacinação, Bolsonaro disse que intercedeu pessoalmente neste mês junto à fabricante Pfizer para a antecipação de doses. A farmacêutica, no entanto, chegou a afirmar diversas vezes que esperou desde julho do ano passado por uma resposta do Ministério da Saúde sobre ofertas feitas para fornecer vacinas ao Brasil.

Bolsonaro afirmou que a liberação de recursos do governo federal possibilitou a aquisição da Coronavac, por meio de acordo com o Instituto Butantan. No ano passado, por outro lado, ele fez uma série de críticas ao imunizante, que chamava de “vacina chinesa”. Em outubro do ano passado, o presidente chegou a contrariar o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e dizer que a vacina não seria comprada.

O presidente mencionou, ainda, o acordo firma doem setembro do ano passado como consórcio Covax Facility para a produção de 42 milhões de doses de imunizante. Ao aderir à iniciativa, entretanto, o governo brasileiro optou por contratar vacinas para o equivalente a 10% da população brasileira. O país tinha a opção de fazer investimentos maiores e solicitar doses para cobrir até 50% dos habitantes.

PROTESTOS PELO PAÍS

Várias cidades pelo Brasil registraram panelaços durante o pronunciamento oficial exibido em cadeia nacional de emissoras de rádio e televisão. As manifestações já estavam programadas desde o anúncio de que Bolsonaro falaria ao país e já aparecia entre os assuntos mais comentados do Twitter desde o meio da tarde de ontem.

No Rio de Janeiro, as manifestações foram ouvidas em bairros como Botafogo, Flamengo, Jardim Botânico, Leme, Copacabana, Humaitá e Catete, na Zona Sul da cidade. Em outras regiões protestos foram registrados em Grajaú, Lapa, Tijuca e Centro. Além das panelas, manifestantes gritaram palavras de ordem contra Bolsonaro. Também foram registrados protestos semelhantes em São Paulo, Brasília, Recife, Belém, Salvador e Fortaleza.

POSSE RESERVADA

Pela manhã, Bolsonaro oficializou a nomeação de Marcelo Queiroga no Ministério da Saúde. A cerimônia de posse foi realizada de forma reservada no Palácio do Planalto e não constou na agenda oficial de Bolsonaro. Horas depois, a nomeação foi confirmada em uma edição extra do Diário Oficial da União (DOU), que também oficializou a exoneração do ministro anterior, Eduardo Pazuello.

O Palácio do Planalto não explicou o motivo de a posse ter ocorrido antes mesmo de a nomeação ser publicada no DOU, o que não é uma prática comum. Um ex-integrante da Subchefia de Assuntos Jurídicos (SAJ) disse ao GLOBO que a ordem inversa não invalida o ato, desde que a nomeação seja oficializada no mesmo dia.

Em nota, o Ministério da Saúde informou que Bolsonaro “assinou o decreto referente à nomeação” e que Queiroga “foi empossado no cargo em solenidade privada”. O texto diz que “o novo ministro atende aos critérios técnicos e ao perfil de reputação ilibada exigidos para o cargo, com ampla experiência na área, não só da saúde, mas de gestão”.

Queiroga foi anunciado no dia 15 como substituto de Pazuello, em meio ao agravamento da pandemia da Covid-19. A substituição demorou a ser oficializada porque Queiroga tinha que se desvincular de empresas da qual era sócio e porque havia uma dificuldade de encontrar um novo posto para Pazuello. Ontem, a maior possibilidade é que o agora ex-ministro assumisse a Secretaria Especial do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI), mas há resistência do ministro da Economia, Paulo Guedes. O PPI cuida do programa de privatizações do governo federal.

O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) divulgou nota cumprimentando o novo ministro, mas pedindo uma “coordenação nacional para o enfrentamento da Covid-19”, incluindo “ações precisas, amparadas na ciência, que garantam a prevenção de novos contágios, facilitemo diagnóstico oportuno de doentes e a assistência a todos os brasileiros”.

A entidade enumerou falhas do governo federal na condução da pandemia: “O atraso na aquisição de vacinas, a ausência de campanhas de comunicação para reforçara importância de medidas de prevenção agravaram ainda mais a crise, sentida na rede assistencial pública e privada. É urgente a adoção de medidas que garantam a imunização de toda população, coma maior rapidez possível ”.“Não há tempo a perder!”, assinalou, na nota.